AS ANDORINHAS CHEGARÃO
O gelo
Que, em certos dias, vislumbro nesses teus olhos
Acaba se fundindo
Sem que eu consiga perceber
Porque gelaram os teus olhos?
E lágrimas, antes cativas,
Começam a deslizar silenciosas pela tua face
Tímidas,
Mas logo em aluvião,
Saudosas de quando recebias de mim
Juras eternas de amor
E esses teus olhos
Que são como que esmeraldas
Sem brilho e escondidos
Embaciam-se de cada vez que me evocas
De cada vez que me procuras
De cada vez que te questionas
Por tão prolongada ausência
Deixo-te assuar esse teu fulgor
Que te saí das entranhas
Convergir por essa tua voz
Que me lembra a de um narrador
De um daqueles livros
De narrativas infindáveis
De heróis, como Camões, que salvou a sua epopeia,
Para acabar por salvar a sua própria vida
Arrebatas-te
Arrebatas-te, sim,
Com as palavras que vais escrevendo avulsamente
Do que te encantavas
Quando estavas na minha presença
Vejo-te auspiciosa
Nesses teus poemas que vou lendo
Saídos da inspiração que te vem das amarras
Dos sentimentos que fluem nesse teu interior tão misterioso
Capaz de inspirares tanta gente
Com as tuas belas e inspiradas palavras
Mas de que valem as minhas palavras
Se eu não estou presente?
O meu peito a arfar
As minhas finas e longas mãos
Com que tantas vezes te afaguei
Os meus lábios que,
Em certos momentos,
Pareciam que te iam sorver
Mas, agora, digo-te,
Escreves melhor, muito melhor,
Do que quando escrevias cartas de amor para mim
Espero que vento inflame
Para que me traga novas de ti
Dá-me cintilantes palavras
Da prova do teu amor por mim
Ajuda-me a semear em mim esse poema
Que vem de ti para mim
E se alevantará
Nesse coro de vozes que cantarão a nossa paixão
Mas dá-me essa tua pequena mão
Que tremia e suava quando eu a apertava
Quando fazíamos amor até à exaustão
E via crescer em ti esse desejo
Por me tragar todo naquele movimento
Que tem tanto de impetuoso como de único
Mas dá-me esse teu coração
Deixa-me desembrulhar as anotações
Que nele foste guardando ao longo de uma vida
E perceber o que a terra fez dele
Afiançar como a água o transformou
Comprovar como o céu o moldou à inocência
Como amaste, sem te amar
Amaste-me, olvidando-te de ti
Mas,
Aguarda
Que eu me acalme
Espera até ao início das searas
Mas, por agora,
Deixa que o longo inverno
Que nos envolve nesse manto pastoso e agressivo
Chegue ao fim
Deixa-me sentir os braços do sol
A penetrarem-me até aos meus ossos
Deixa-me, ao menos, recompor-me deste longo inverno
Deixa que as andorinhas cheguem
E já não falta muito…
Aí sentir-me-ás a esvoaçar pelos beirais da tua casa.