BIC
A velha
De transparentes paredes
Esferográfica
Exibe-se sem temor
Nem pudor
Expõe-se, simplesmente expõe-se,
Como deus quis que ela viesse ao mundo
Quando lanço sobre ela um olhar
Sinto-lhe, desde logo,
A sua macia intimidade
E não há roupa interior que lhe valha
Permanentemente,
À razão do completar de uma estrofe,
Lanço o meu olhar
Libidinoso
Até à velha caneta
Que repousa na minha secretária
E tenho uma réstia de esperança
Que ela possa voltar a ter a sua utilidade
De quando, no passado, escrevia
Velhos e novos poemas
Quando a esferográfica
Entrelaçava-se na minha mão direita
E com jactante excitação
Me permitia chegar a uma espécie de transe
E acabava numa explosão de sentimentos
Semelhante a um orgasmo!
Mas, hoje, está algo esquecida
Jaz estendida
Ao lado de um livro
Que guarda poemas de múltiplos autores
Nas proximidades de velhos e avulsos papéis
Que, de vez em quando,
São rabiscados pela velha esferográfica
De pequenas anotações
Desde que deixei de praticar
A minha escrita diária
Com a ajuda da velha BIC
É sob o teclado que prossigo
A minha atividade de escrita diária
Ajudado pelo vigor dos meus pensamentos
O desembaraço dos meus dedos
Que nunca se dão por vencidos
Os dedos ajudam-me à excitação
Que experimento quando escrevo
Prolongam o meu deslumbramento
Deixam-me com o coração a bater
Num ritmo sincopado
Que me faz ver para além do que escrevo
Por fim, vem então o clímax derradeiro
E é quando acabo
Que vejo que cheguei ao fim da linha
E dou por terminado
Vício tão empolgante e exigente
Como é a escrita
Outrora, escrevia muito
Escrevia bastante
Mas fazia-o no remanso
Das sombras da frondosa ramada
Que tanta inspiração me deu
Sob a tinta da velha caneta
Com o mesmo fulgor
Com que hoje escrevo no teclado
Não sei se escrevo
Melhor ou pior hoje
Do que quando escrevia sob a batuta da BIC
Sei, sim, que a BIC não me concede mais
O tipo de sentimentos
Que outrora me revelava
Mas, a verdade,
É que eu também não sou mais o mesmo
Do que quando escrevia com a velha BIC!