DEIXA-ME
Só o Verão acalma o meu coração,
Por vezes agitado, por vezes calmo,
Por vezes lasso, por vezes folgado,
Que necessita de um desfibrilhador
Só a ideia do verão
Acalma a fúria que sinto
Pelo luto interminável
Longe ainda o Verão
Que sucederá a este Inverno trágico
Sinto-me como um eunuco
No interior de um harém
Repleto de mulheres
Só a ideia do Verão me faz aplainar o voo
Que, pelo meio da tempestade,
Me parece interminável,
E acabe me conduzindo até a uma altitude
Onde consiga, por fim, vislumbrar o sol
Mas devaneio-me no meio do trivialismo
Antes que o meu coração ceda à pulsação mais histriónica
E me faça falar do que não devo
E mastigar e engolir do que devo falar
Querem-me fazer engolir as mais doces iguarias
As misturas mais exóticas de sabores
Os vegetais mais tenros que “parecem” carne
Como os perseguidos “frades”
Colhidos debaixo dos imponentes carvalhos e castanheiros
Mas, a “monte” ando eu, andas tu, andamos todos,
Ansiosos à espera da chegada do dia D
Que nos libertará dos terrores que estamos a viver
Que nos fazem sentir tão pequeninos e assaz frágeis
Mas onde poderei encontrar-te Verão?
Se de ti vejo apenas folhas rendilhadas de um calendário
Imagens de um sol radioso que me ajuda a estimular os neurónios
Ou lamentos do meu passado
Onde ouço os ecos dos miúdos
Que nadavam nas águas do velho rio
E à hora dos lanches da praia
Onde, por momentos, se viam apenas a caminhar no areal
Os que não nada tinham para comer
E as horas do banho que nunca mais chegavam
Primeiro após o almoço
Depois após o lanche
E nós petizes sem entendermos
Estes “caprichos” dos mais velhos
Lá nos contentávamos com a frugal molha de pés…
E, por vezes, a onda nos surpreendia
Traiçoeira e galopante
Acabava, quase, nos engolindo
E molhava os nossos maillots
Mas foi num desses dias de um dos verões
Onde pela primeira vez
Te desejei tanto
Foi nesse Verão que me confessei
E elaborei tantos poemas de amor
Que me exultei tanto
Que acabei arrebatado
E ainda hoje
Recordo-me dos tremores que senti
Quando te dirigi a palavra
Pela primeira vez!
Mas deixaste-me
E eu deixei-te
Porque um amor assim
Não é real
Um amor assim
É um sonho interminável
Que não acaba jamais
E eu prefiro viver na eternidade do sonho
Do que viver na fugaz realidade
De um amor que,
Mais uma vez,
Se escapa célere
Por entre os dedos das mãos!