DEIXA-ME SER
Deito-me
Sob o leito da minha consciência
Boa ou má?
Depende do que soçobrou
Desse dia em concreto
Absorto a olhar a escuridão
Que invade o meu quarto
Respiro, anseio, embrenho-me
Nesse encerrar de olhos
Que,
Espero,
Me possa levar ao sono
Todas as noites deito-me
E depois de uns breves instantes de reflexão
Volto-me para uns dos lados
Para dar início à aventura
A menos que uma arreliadora dor
Não me permita
Mas o sono, esse malandro do sono,
Para uns ele é tão fácil
Mas para outros é tão difícil de alcançar!
O sono não aparece
E invade-nos quando nós queremos
Mas, antes, tem que ser a sua própria vontade a querer
E é então que, como que surgido do nada,
Ele apanha-nos de surpresa
E acabamos rendidos aos seus desígnios
O sono é pachorrento
Mas tem estratégia
E acaba por nos envolver
E de repente, surge no imediato
E começa a despir-nos dos preconceitos
Arremessa-nos até esse mar
Escuro, oleoso e desconhecido
Envolve-nos no seu manto
Faz-nos obedecer aos seus desígnios
E finalmente começa a dar os sinais:
Pesa-nos nos olhos
Inclina-nos o pescoço
Até que os olhos acabam por se encerrar
E a cabeça se afunda na almofada
E ali vamos
Envoltos no sonho
Cavaleiros da noite
Exploradores polares
Lendários viajantes da Patagónia
Boiadeiros a liderar a manada no Pantanal
Peregrinos a caminho de Santigo
Deixamos de aspirar ao concreto
Passamos a desejar o indesejável
A ter frio no calor da noite
Enrolado nos cobertores
Deixamos de concretizar o amor
Passamos a desejar
A ter medos
A ter fúrias
A estremecer
Passamos a esquecer-nos de quem somos
E é então que
Obliteramos a vontade de nos sentarmos à mesa
E mesmos que sejamos tão frugais
Nem fome nem sede sintamos
Apenas a vontade de prosseguir a marcha
Por ali adiante
Até que não possamos mais
E despertemos
Desse
Como doutros
Sonhos
E levantemos o olhar para cima
E concluímos:
Foi mais um sonho!
Embriagado
Pelo sonho
Capaz de permanecer décadas e décadas deitado
O rapaz vive de sonhos
De quimeras
De mundos fantasiosos que animam
A sua pobre vida
Embrenha-se na difícil arte da sedução
E até se arroga o direito de se auto seduzir
E é então que sedado
Alivia a boa nota
A saliva que se vai secando na boca
A vontade que o deixa órfão
A miséria que o envolve
Sem deixar de o transpor
Esse fio dourado
Que separa a consciência da inconsciência
Mas haverá vontade que supere a indecisão?
Deixa, ao menos,
Apanhar-te
Para engrossar as tuas calosidades
Fazer que tu sejas
Eu
Mas deixa-me volver a ser
O mesmo rapaz ensonado
Que se deitava leve e ligeiro
E dormia ininterruptamente
Deixa-me ser quem eu era
Antes de te conhecer!