DESASSOSSEGO
Desperto
Tão mal dormido!
Acabo questionando-me
Porquê
Tanta amargura
Tanto ódio destilado
Tanta frustração
Tanta obsessão
Para esventrar as almas
A própria e a dos outros?
Destruímo-nos
E destruímos os outros
Vendo em nós e nos outros
Apenas a raiz do mal!
Estendo-me na areia
Avisto, lá longe, um navio
Ignoro aonde se dirigirá
Mas sei que,
No espírito de cada marinheiro,
Há aquele desejo incontido
De algum dia
Encarar algumas das divindades
Que pululam o imaginário do oceano
A luz omnipotente
Lançada pelo farol
Irradiando longínqua pelo mar
Atraí sempre os marinheiros
Que a perseguem
Com aquela saudade estampada no rosto
Emocionados com o brilho intermitente
Do braço do velho faroleiro
Nas noites de brumas mais densas
Ouve-se ao longe
O brado rouco do farol
Que avisa os barcos dos perigos do mar
E que os conduz,
Como a um cego pelas ruas da cidade,
Até porto seguro
Sussurro ao mar
Os meus melindres
Confesso às centenas de gaivotas,
Que esvoaçam, cruzando-se no ar,
Levadas pelo vento,
As minhas mágoas
E a minha vontade necessária
Em chegar ao fim
Eu sou a fiel gaivota
Tu és o vento
Sempre tão imprevidente
Irrascível e desconfiado
Que não se cuida
Nem cuida de ninguém
As gaivotas fortalecem-se
A lutar contra o vento
Planando as suas asas arqueadas
Ziguezagueando
Penduradas no vento
Mas tu vives no meio desse ciclone demencial
Que te destrói e destrói os outros
Decepas todas as videiras
Vangloriaste de te dar com o diabo
Que, ardiloso, tudo destrói
O segredo estava dentro da garrafa
Mas rejeitaste-a olimpicamente
E correste a fulminar
Com esse teu veneno
Que te acaba matando aos poucos
Se queres viver aí onde estás
Vive nessa solidão
Pois pequena e burocrata é a vida
Para tantos ditames
Que diariamente efabulas
Melhor seria viver apenas a vida
E deixar que a paz regressasse outra vez às nossas vidas
Mas a paz, com algumas criaturas,
Será imensa e eternamente impossível!