DIZ-ME LÁ TU DO QUE EU SOU FEITO?
Quem me dirá
Do que sou feito?
Quem me dirá
Do porquê da minha existência?
Quem me dirá
Quem sou eu afinal?
Certamente
É indubitável
Que quem me responder
De forma tão perentória e convincente
A essas questões
E outras que, enfim, se afigurem pertinentes
Me dirá também o que essa pessoa é
Porque não é à toa que quem o diz:
Sabe, do que fala
Sabe, do que expõe
Sabe, do que extrapola
Sabe, do que é feito
Sabe, que matéria o compõe
Eu e ele;
Mas,
Dizer
De uma certa maneira
Do que eu sou feito
É, pois, dizer
De que essa pessoa é feita
Pois sabe do que fala
Sabe do que é capaz
E sabe dizê-lo de uma maneira tão clarividente
Que sabe mesmo do que eu e ele somos feitos!
Mas esta arreliadora mosca
Que acabou pousando no ecrã do meu computador
Não me larga
E por mais que vá agitando a mão
Como se fosse uma extensa e corretiva cauda de um bovino
Para a fazer desaparecer de vez
Do contexto em que me insiro
Vejo-me impotente
Para a fazer debandar
Para a fazer desaparecer
Do alcance da minha visão
E então, derrotado pela minha incapacidade
Ponho-me a observar o inseto
Que se agarra com as múltiplas patas ao ecrã
E percorre-o a uma velocidade estonteante
De repente, suspende a correria
E põe-se a esfregar as patas da frente uma na outra
Retesa as asas transparentes
E vejo-a ali por cima das palavras que vou escrevendo
Inspiradas pelo contexto em que estou inserido
E sinto que o que escrevo, para a mosca, é indiferente, dispensável mesmo
E não se mostra em nada interessada
E muito menos fascinada
Com o que vou escrevendo,
Mas será assim tão linear?
Ou será mesmo o calor do ecrã que a aquece
Que a faz querer tanto estar ali
Nestas noites já mais frias do outono
E se sente tão atraída
Que é incapaz de abandonar
Mesmo que isso possa significar a sua morte…
Mas diz-me lá tu,
Ó mosca sem vergonha
Ó mosca deslavada
Ó mosca divertida
Ó mosca afoita e corajosa
Pois te exibes assim à minha frente
E que nem sequer foste convidada
Se o sabes
Se sabes mesmo
Diz-me, então, de que sou feito?
Já que as pessoas parecem temer dizer algo sobre mim!