DO ALTO DA MINHA CEPA
Vê
Olha em frente
Ao lado
Para atrás
E mesmo que só amanhã olhes,
Para ver com atenção,
Não te resumas ao óbvio
Fixa-te bem por uma única vez
Como se fosse a última
Para que nada te esqueça
Rir para quê?
Para te enganares a ti próprio?
Para te deixares aparelhar pela boçalidade?
Ou para não te esqueceres que rir
É mesmo o melhor remédio…
Por isso ri
Porque quando ris
Quebras o gelo
Sulcas a terra mais dura
Adubas o solo mais difícil
Levas água ao deserto
Deixas a terra bafienta e insuportável
Recolhes a âncora
E fazes-te ao mar
Navegas nas águas salgadas
Que te dão a verdadeira dimensão da vida
Enquanto ris
Espantas a semiótica mais enfadonha
Enquanto ris
Atreves-te a fugir à morte
Olhar o mar do promontório mais longínquo
Lamber o sal das rochas
Engolir as algas
Que te apagarão a sede
O peixe estremecido que rebola
E exibe seus lombos prateados
Que não me canso de contemplar
Sentir o iodo presente
No ar que respiro
Que parece libertar-se
Naquelas bátegas do mar
Que chocam com violência no paredão
Sentir os odores de um lanche de Verão na praia
Reviver de olhar saudoso
Todos os verões da minha inocência
Sentir que o sol me queimava
Enquanto olhava pelas serranias circundantes
De quando andava de calções
E tinha tantas ambições
Pela vida que se estiraçava à minha frente
Mas, apesar de tudo,
Não me abandones
Não me deixes só
Recordações juvenis
Que me arribam
Quando a chuva e o frio me assola
Remetendo-me prostrado a um canto
No esplendor do Alto da Galafura
Cravo este meu olhar no rio oleado
De tons esverdeados
Sabores acinzentados
Que desliza irrepreensível e silencioso
Pelo meio de uma fenda
Aberta entre duas formosas colinas
Deixo-me enfeitiçar
Pelas palavras do poeta
Que ali teve uma epifania
De arrebatamento
Ali descreveu uma esplendorosa visão do paraíso:
“Um poema geológico”
Descrevendo o trabalho árduo do homem
Que gizou o sonho
E plantou tanta vinha ao correr das serras
E acabou transformando aquela paisagem
Em “Beleza Absoluta”!