ESPERANÇA
Nos intervalos de uma noite tropical
O calor não dá tréguas
Impedindo a evasão
Que todas as noites se apressa
A levar-nos até ao opúsculo
Onde esse corcel negro
Galopa
A cintilar de obsessão,
Um dia extenuante
Tórrido
Que nos perseguiu até às entranhas
O suor cobrindo todos os orifícios
Que limitam o nosso corpo
Parece querer salvar-nos
Das misérias mais vis
Que transformam a libertação
Numa desonra
Levando-nos a pensar em nós próprios…
Cerram-se os olhos
Esvoaçam pequenos bandos de aves
Gralhas que se posicionam nas árvores mais altas das redondezas
E parecem anunciar sempre o mesmo desígnio trágico
Onde o orgulho
É uma profissão de fé
Uma argamassa que sustém aquelas pobres almas
Que estão sempre a visualizar o passado
Que não têm presente
E muito menos futuro
Que se consomem
Nas suas próprias ilusões
De que a vida é um conjunto de trivialidades
Dias festivos onde ninguém era feliz
Importantes no passado
Triviais e dispensáveis
Nas águas desse ribeiro
Que não atende a ir
Debaixo das vozes
De um sendeiro carregado de uma moral inóspita
Que oprime as pessoas.
Na noite
Em que o silêncio impera
Cães parecem pressentir as dores da alma
Ladram
De tempos a tempos
No desespero
De uma gratidão incomensurável
Onde já não há festas
Já não há efemérides
Que ligavam a um passado já tão longínquo
Aos tempos de uma meninice saltitante
Em que o riso era uma constante
A inocência
A felicidade
Mas também a fealdade
Que cobria a copa das árvores
Que derramava hostilidade
E que cercava a habitação
Onde as águas sugavam as lágrimas
E nos meio das noites mais quentes
Um cão gania num pranto infindável
A luz que brilhava e que maturava os figos e as ameixas
Foi-se
Agora a vida ali
Transcorre em insossas pagelas de um livro
Em que fizeste parte
Mas saíste definitivamente
Para o teu próprio livro
Carregado das imagens
Incalculavelmente
Venturosas
Para o futuro
Que bem no fundo da tua alma
Foi sempre o combustível com que te alimentaste!