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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

ESPERANÇA

Enquanto a água do rio corre

Há esperança

 

Enquanto as ondas do mar esbranquiçadas

Se despenharem nas amenas areias da praia

Há esperança

 

Enquanto as andorinhas

Os cucos

Os gaios

Os corvos

(Ah…esses malandros dos corvos, tão inteligentes!)

As gralhas

E os pintarroxos

Arribarem às nossas terras todos os anos

Há esperança

 

Enquanto continuarmos a amar

A perdoar, a esquecer

A apreciar a beleza da vida  

Há esperança

 

Enquanto sentirmos prazer em saborear

Uma doce e madura cereja

Uma suave amora

Um voluptuoso morango

Há esperança

 

Enquanto os taninos nos encantarem

E desafiarem a nossa imaginação

À procura da proveniência do vinho

Há esperança

 

Enquanto as trutas se esconderem

Nos remansos, junto às margens,

Tuteladas pelas sombras

Das folhagens viscosas dos amieiros

Há esperança

 

E mesmo que o rumo da vida

Se aparente a um desfiladeiro

De rochas abruptas e pontiagudas, garganta apertada,

Das margens do rio que corre suave

Amansado pela represa da barragem

Haverá também sempre esperança

 

Só não haverá esperança

Quando a palavra desaparecer do léxico

Quando nós próprios deixarmos de sonhar

 

Quando já não houver dia e noite

Quando a terra apagar, de vez,   

A nossa passagem pela terra  

Quando já não houver vontade

Mas sim outra forma de vida

Sem ambiguidade    

 

 

Mas, debaixo da maior esperança que há no mundo,

Que em mim é razão de existência,

Quero continuar a calcorrear

Os caminhos que me atrevo a encetar

Para cuidar das pessoas próximas

Como se cuidam das frágeis flores  

 

A apreciar deliciado os rouxinóis cantando

Nas proximidades dos regatos

Saltitando de júbilo nas copas das árvores

A contemplar, maravilhado, as mariposas

Que, com o seu voo saltitante,

Andam de flor em flor a colher

Tão precioso néctar

 

Mas a esperança,

Além de se desejar,

Constrói-se

Projeta-se

E mesmo que emerso na escuridão,

Em múltiplos desígnios

Que brilham nas noites de insónia

Haverá sempre a esperança

Que o mundo não acaba amanhã

 

Mas, esperança, é também passar o testemunho   

Para que outros façam melhor do que nós

 

E esperança, haverá sempre esperança,

Quando não houver sequer um dia

Que não evoquemos os ausentes mais queridos

Para que essa esperança que temos hoje

De falar interiormente com a essência

Dos que partiram

Outros, amanhã,

Possam falar com a nossa essência

Quando, por fim, partirmos!  

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