ESPÍRITO LIVRE
Rumino
Copiosamente as aparas
Colhidas das minhas prenhes dúvidas
Que, invariavelmente, me acompanham
E que não me deixam sossegar
Revejo
Uma e outra vez
A orgulhosa dimensão da minha saudade
Padre revolucionário
Agitado pela inabalável convicção no Homem
Desgostoso com a sua fé
Criatura intemporal e avançada
Sedenta em viver e amar
Mas desse efémero contato
Que guardo nas minhas memórias
De um passado já remoto
Assalta-me, por vezes, a dúvida
Se o adolescente viveu mesmo tudo aquilo
Ou tudo não passam de fantasias?
Mas como difícil foi persuadir-te
Padre,
Dos perigos em que vivias
E quando, finalmente, te convencestes
Que a ferida gangrenara
Havia uma sombra a perseguir-te
A tua vida baça, era futuro sem futuro,
E como negro se punha o teu destino
Detonaram-te
Desfizeram-te em fragmentos
E esse homem fascinante
Cheio de luz e brilhantismo
Ficou tão transfigurado
Que até o legista,
Na hora em que afincadamente pesquisava
As evidências mais sólidas
Que explicassem tão estranho rebentamento
Que lhe ceifou violentamente a vida,
Deixou-se envolver por fortes sentimentos
E trabalhou com afinco e meticulosidade,
Para cozer todos os orifícios do corpo
Lacrimejados de sangue ressequido
Revejo, miro o passado,
E avisto uma fresta transparente
Que me permite ver
O teu rosto escanhoado,
(conhecia-te apenas de rostos pululado de longas barbas)
Imóvel, abrupto, sem luz
Depositado no interior do caixão fechado
E ainda hoje não vislumbro
As razões do teu assassinato
Que acabou por te transformar num mártir!
Mas tu, padre,
Eras um homem que despiu a batina
E que queria, à viva força, ser feliz
E viver como um cidadão normal
Com um sonho estampado no rosto
E que não se cansava de repetir
A nós adolescentes:
- Acabar com a sociedade fascista…
Que nesses primeiros tempos de revolução cravina
Tardou, bastante!
E eras assim tão amaçador, tão justo desígnio,
Para te matarem como um perigoso criminoso?
Morreste cobardemente
Às mãos de gente estúpida
Primitiva e tão reles
Que apenas tinha no seu vocabulário
Vingança
E que estava nos antípodas
Do “quando não os podemos vencer
Junta-te a eles”!
Mas, padre revolucionário,
Será que, ao menos onde estás,
Vingaste-te, impondo os teus ideais,
Dos algozes que tão cobardemente te assassinaram?
Tenho a certeza que sim
Desassossegada criatura!
Ao padre Max