ÍNDIA
Por ela viajo
Com a intermitência de um sonho
Que não acaba jamais
Que se repete uma e outra vez
Deixando-me voar e ser quem sou
Até consumir as minhas energias
E ser quem sou
Ou fui no passado
Seduzido
Absolutamente rendido
À sua incomparável energia
Deixo-me conduzir
Embalado pelo som de uma sitar
Que enxuga a minha alma
Das lágrimas da saudade
Percorro as ruas
Apinhadas de multidões consuetudinárias
Que não cessam de vir e de ir
Permanente som das buzinas de carros e carretas
E as vacas sagradas que se passeiam pelas cidades
Indiferentes ao bulício dos transeuntes
É o movimento de homens e mulheres
Que se meneiam circunflexos
Naquele sol que esquenta
No ar irrespirável
Que se respira
Naquele abissal território
Sons que penetram as nossas entranhas
Os sons dos idiomas que parecem preces
Pássaros escuros que voam
Aos magotes nas cidades
Ruas encardidas
Que dão um ar trágico
Gerações sucessivas de macacos
Que permanecem nas cidades
Vivendo pendentes dos homens
E surripiam, descaradamente,
Quando a comida não chega voluntária
Mas as ruas são, por si só, um repositório
Das imensas e demenciais contradições
Da pátria de Gandhi
Nas ruas fala-se de tudo
Da fé que os move
Da política e da corrupção que os envolve
Da vida, cada vez mais difícil e cara,
Do dinheiro, que é insigne em todo o lado,
Tão parco ali naquelas paragens
Do tigre que dizimou uma casa de agricultores
Ou da cobra que engoliu a criança
Mas na rua também se come
Também se namora
Também se firmam contratos
Com um aperto de mão
Na rua dorme-se
Defeca-se sem pudor
Ouve-se uma voz de falsete
Que parece chamar por Sagui
Escuta-se, com profundo respeito, o pujaris
Que disserta longamente
Entoando versos
Densos e de incomparável beleza espiritual
Mas a Índia é o Ganges,
Esse rio sagrado,
Que em Varanasi
Se multiplica de fogueiras
Iluminando as almas que partem
Até ao além
Rio formado na indomável
Energia dos seis irmãos
Acabando diluído na baía de Bengala
Quanta terra
Quanto sabor
Quanto suor
Quanta dificuldade
Quanta história
Absorves, ó Ganges,
Nessa tua viagem milenar?
Águas lamacentas
Que matam a fome
Aos que nada têm
Em certos dias causticados
Pela tragédia
Que, ali naquela pátria,
Está sempre eminente!