MAR DE SENTIMENTOS
Suspenso
Caminhando na frescura da manhã
Sol tímido que me vai aquecendo os ossos
Luz cintilante que me ilumina a alma
Vento discreto que me arrefece o ímpeto
Mar omnipresente à ilharga
A esperança esmorecida volta a nascer
Acalma-me as labaredas de humor
Que me atormentam
Passo estugado, vivo, intenso e incisivo
No parapeito da costa
Trilho que palminho em ripas de madeira
Assente na areia ou acoletado nas dunas
Caminhando vou recebendo
Encorajado
Os suaves odores anisados
Das múltiplas ervas que se misturam
No areal que, há minha frente, se ergue
Olho o mar
Permanentemente
E não me canso de o admirar:
Eflúvios que me penetram
Cores esfuziantes
Umas vezes, azuis fortes
Outras vezes, esverdeadas
Outras vezes, acinzentadas
De repente,
Vislumbro ao fundo na linha do horizonte
Uma embarcação que parece imobilizada
Que verão do barco os mercantis marinheiros?
Terra? Brumas? Ou mar, apenas mar?
Que farão aqueles solitários homens encerrados num barco
Que navega no mar alto há tantos dias?
Em quantas línguas se expressarão naquele navio?
Quantas pátrias reunidas naquela embarcação?
Quantos credos, quantas opiniões, quantas vidas existirão naquele barco?
Mas, afinal, não é preciso pensar o mesmo
Para dar a volta ao mundo fechado num navio tanto tempo!
E que dizer de um caranguejo
Aquele caranguejo
Que parece caminhar nas pontas das patas
E que nos olha com ar desolado e desconfiado
Acentuadamente de aparência estrábica
Odores iodados emanados da água do mar que fervilha
Dão-me uma insondável força
Para não me desviar um milímetro
Do rumo que fui traçando
E não é uma libelinha, uma borboleta
Ou mesmo uma gaivota ou até uma elegante garça
Que se me atravessem no meu percurso
Que possam despertar assim tanto a minha atenção
E que façam aquilo que não sou
E que me obriguem a não ser o que sou
Uma ode ao mar
Manhã cedo se diverte a edificar pequenos lagos, exíguas poças
Guarida de inúmeras espécies que nadam nas suas calmas águas
Olho, entusiasmado, para tentar descortinar a misteriosa estrela-do-mar
Ou esse pertinente cavalo-marinho
Ou um saboroso sargo
Ou mesmo a indesejada tainha
Carregada de odores a hidrocarbonetos
Acabo apanhando umas conchas que vão deslizando na areia mais próxima ao mar
Recolho um búzio e delicio-me a ouvir o tonitruante som do mar
E pudesse eu dar-te ouvidos
E pudesse eu conhecer todos os teus desígnios
E soubesse eu saber todos os teus enigmas ancestrais
Não precisaria tanto de ti
Ó mar acidentado
Pois bem podias sepultar este corpo que se cansará
Como tantos outros desta existência
E desejará
Um dia
Perecer suave enrolado nas tuas saias
Envolvido no teu peito enorme
Sepultado no silêncio
Das tuas águas mais profundas!