MATRIOSKAS
Derramar lágrimas
Como as de um velho crocodilo
Que às margens do Nilo
Tenta atrair as vítimas
Para as devorar na hora
E lacrimejar, lacrimejar!
A mentira ergue-se
Astutamente
Por entre a voz
Nesse propósito absoluto
Razão de ser
Que é filha do logro
Dos avós, dos filhos, dos netos
Diletos
Das estepes estalinistas;
Por cada um dos teus poros
Soltam-se flácidos fios
Que
Em cada um
Vai a mesma sofreguidão
Voraz e tentadora
Como te lanças ao mar encrespado
Para navegares nas suas águas sulfurosas
E onde verbalizarás a condenação da violência
Para, no fim, cantares:
“De pé ó vítimas da fome…”!
Mas todas as certezas com que assolas
Aos que
Dizes
Matam pelo prazer de matar
Logo se transformam em dilemas
Silenciando-te
Atroz e covardemente
Quando vês as mesmas armas que têm vindo a dizimar a Ucrânia
A destruir a carne
A esfacelar os ossos
A derramar o sangue dos seus ínclitos cidadãos
A pulverizar cidades
Como o massacre de Bucha!
Aprioristicamente
Apareces agora eivado daquela autoridade
De quem precisa de justificar a sua relevância
Acabando representado
Ao mais alto nível
Em cada ajuntamento que brame
A condenação dos filhos de Abraão;
Por cada dia que passa
Vejo esse teu cadáver fragmentado
Onde o vermelho deu lugar ao castanho-escuro
E
Entre silêncios
E gritarias
Convives irmãmente com as deportações em massa
protagonizadas na Velha Mãe russa
Que sempre se resguarda
Nos silêncios sepulcrais
Para venerar os seus heróis
Presentes
Pois
Os do passado
Foram há muito guardados em matrioskas!