MEDITAÇÃO
Nesse desfiladeiro
Escuro como breu
Agnóstico
Que tresanda a terra esventrada
Para onde acabaste depositada
Depois de mais de uma década
A carregar padecimento e dor
Acabaste por desistir e perecer
Silenciando-se essa tua voz fina e elegante
Congelando-se a bela harmonia desse teu corpo jovem
Com que foste bafejada à nascença
Para onde foste lançada
Nesse mar gélido
Que queima quem nele toca
Mesmo que ao de leve
Como um voo de uma libelinha
A roçar na linha de água
Deixaste de ser
Para ser referenciada
Num simples papel registado
Numa obscura repartição pública
Tal como quando nasceste
Saíste do ventre da tua mãe
E
Fechando um ciclo
Para abrir outro
Agitastes as minúsculas mãos para cima
E deixaste sair os primeiros gritos
Com um sorriso estampado no rosto da mãe
As flores nos campos circundantes
Que tantas vezes passaram pelas tuas jovens mãos
Deixaram de ter esse teu olhar
A candura das tuas mãos
O alcance do olfato
Que alcançava o teu efervescente coração
Que começou
Desde muito cedo
A crescer de alvura
Para onde sempre guindaste os teus pensamentos
No lugar do rio
Que corria lá em baixo
Suave e terno
E que tantas vezes desejaste navegá-lo
Cresce agora a erva que pisaste
O musgo que colheste por alturas do Natal
As oliveiras que datam o sagrado na tua vida
As videiras milenares desse Douro
Abençoado
Com que nunca se alcança todo o seu esplendor
Por um olhar
Mas que se sente
E inspira tanto
Quando se inala o pó que desvanece
Das suas sequiosas terras!