NÃO DESISTIR
Que rio é este?
Que nada o contém
E escapa pelas trevas?
Como se fosse
Água que se escapa
Pelas fendas das mãos?
Que manto de verde é este
Que enxameia e nos impede de ver o céu?
Que céu é este
Que só, a espaços, se mostra
Nas delicadas águas do rio?
Que mistura de plantas é esta
Que exala uma tão grande profusão de odores?
Fitai
Este rio espesso;
Não vos parece chá com uns pingos de leite?
Meditai na espuma transbordante
Que explode
Desliza pelas pedras abaixo
E acaba transformada em água
Que circula de mansinho
Esverdeada
Acastanhada
Refletindo os espíritos livres
Que fogem da vulgaridade
Água domada pela represa
Que acaba se escapando indomável
Árvores erguidas nas margens
Que sufragam a força da natureza
Cerimonial que nos aquece
A um certo culto
Que carrega os andores
Com gente sem fé
Ramos que se debruçam e desafiam a água
E miram a leveza do seu caudal
Jardim à beira rio plantado
Gestos que se repetem uma e outra vez
De troncos que caem ininterruptamente
Para engrossar o capim selvagem
Que se forma
Para dar corpo ao vestido verde que o rio traja
Um instante da vida
Adornado pela contemplação
Dia solarengo
Busca-se conforto
No inestimável valor da água
Que nos dá tudo
E não nos pede nada em troca
Lanço a corda
Para envolver a árvore
Atiço o entusiasmo
Onde irei derramar a ira
Mas, num último instante,
Suspendo a ação
E disponho-me a admirar
O que os meus olhos me trazem
Naquele momento
Tento suster a respiração
Limito ao máximo as minhas funções vitais
E tudo porque naquele momento
Interessa-me sobremaneira absorver
O que os meus sentidos me dizem
Quedo-me absolutamente absorvido
No remanso daquele quadro
Em que num instante da vida
Ao alcance de todos
Me acabou por proporcionar
E podia ali ficar para sempre
Ausente e contemplativo
A admirar tão ditoso instante!