O CUCO
De hora a hora
Faça chuva ou faça sol
Da parede para o mundo
Eis-me diante dessa ave mítica
Que é símbolo da Floresta Negra,
Tão esquiva como adversa,
Que nos ninhos dos outros se criam as suas crias
Antes de Sua Majestade o Cuco
Se anunciar ao mundo
Troando o seu belo canto que possui
Interpretado desde o alto da parede
Fria e pintada de branco
Faz-se ouvir o doce ressoar
De água na correnteza
Liberdade absoluta
Que Sua Majestade o Cuco
Tanto se abespinha
A quem o ameace retirar-lhe!
O cuco, este cuco,
Que tantas vezes ouvi
Nestes anos em que me acompanhou
Quando emergia da sua casa em madeira
E anunciava o seu melodioso canto
Onomatopaico
Como me parecia sempre lamento humano:
Escuta-se, compreende-se, aceita-se
Mas nunca se vislumbra a forma do lamento
E por isso o cuco, este cuco,
Interpelava sempre a minha consciência
Mexia com a minha consistência
Remetia-me para a minha solidão
Que, ausente de bosques,
Me interpelava a minha proveniência
Mas um dia, o cuco, este cuco,
Deixou de se anunciar
Deixei de ouvir a água a correr
Deixei de ouvir o cuco cantar
E ainda mais a solidão e a saudade
Voaram rápidas até mim
E ainda hoje
Sinto a falta do cuco
Desse canto que,
Para mim,
Me soava a uma Fénix Renascida
Mas, afinal,
Que imperdoável maroto,
Este cuco me saiu,
Partiu sem avisar
E mesmo que encha os corações dos outros
Já não enche, certamente, este meu coração!
Cuco, cuco,
Que tanto chamaste por mim
Que tanto cantaste por mim
Deixa-me chamar-te de vez
Para ver se o teu canto volta a soar
Pelos cantos da minha casa
Preenche, de vez,
Essa tua ausência
E vem até mim,
Entra, outra vez, na minha alma
E leva-me até à minha feliz infância
Onde tantos cucos ouvi
Por entre pinhais que me acalentavam os sonhos
Mas raramente o vi
Plantado na sua árvore
No seu ramo
Na altivez do seu voo!