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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

O DIABO AVISTA DEUS

Por onde andas minha voz ausente?

Onde estás minha escrita noturna?

O que andas pensando meu interrogativo ser?

 

O que farás depois de descobrires aquele pergaminho

Que pensavas que se havia perdido

E que, afinal, não se perdeu

pois acabaste de o reencontrar

Por aí na blogosfera?

Sim, o que farás quando o voltares a ler

E vires o que ele contém?

 

Mas antes que leias e digas algo

Deixa-me ler, por favor,

Todas essas palavras que te escrevi

Desde esse remanso com vista para o vale

Para esse rio que corre suave e cintilante

Como se fosse el Rio de la Plata  

 

Revejo

Releio

O que escrevi

 E, imediatamente,

Relembro-me do que me escreveste

 

Repiso, mastigo, regurgito

Penso profundamente em cada palavra que me reservaste

Nesses tempos febris

E que pareciam meio dementes

Lendo cada minha palavra

Cada frase em modo de poesia

Centrada na página ao meio

Que é como eu gosto de ver estas baladas sentimentais

 

Indago o que pensarias

Quando me escrevestes

E sobretudo

Reconstruo o puzzle

Como se fosse uma estrutura de um jogo de lego

E vejo bem o alcance das vírgulas

Ou a ausência delas

A força de certas palavras

O erotismo, a vontade, a excitação

 

Não é só perceber em cada palavra

O quanto me amavas

Isso disseste-o de forma subtil inúmeras vezes

 No mar, na areia, na serra, na rua

Num sonho

Num simples voo de pássaro

Ou nos alfaiates que deslizavam à tona da água calma do rio

Nas estrelas que cintilavam

E que nos indicavam os caminhos dos espaços imensos

 

Até nesse teu deus que sempre te iluminou

Ou até nas muitas palavras que se afiguravam de circunstância

Ou simplesmente nas ausências, tuas e minhas,

 

Mas sim a intensidade

O arrebatamento

Como tu sempre te quiseste afirmar

E revejo agora mesmo

Ao ler o pergaminho onde estão registadas as tuas palavras

 Que tudo em ti

Tinha um destinatário

Como se fosse um alvo bem definido

Apontado para mim

E não havia alfobre tão deslumbrante como o teu

E o meu,

Dizias tu,

Era o mais lindo

O mais verdejante

O mais húmido

Local onde os ruminantes pastavam

Indiferentes às ameaças

Era ali que tu me dizias

Que me amavas loucamente

Ou por palavras explícitas

Ou implícitas

Que só nós os dois

Verdadeiramente

Nos entendíamo! 

 

Um dia, deixaste-me, abandonaste-me 

Cessaram as tuas respostas

Uma e outra vez

Até que, em desespero, te escrevi palavras duras

Arrependi-me

Já era tarde  

 

Uns tempos mais tarde

Disseste-me que descobriras um novo amor

Que me pedias desculpa

Mas não conseguias já sentir a mesma paixão por mim

 

E vivi assim enlutado e ferido no meu orgulho

Porque te dei tudo, e quando digo:

Tudo,

Foi tudo mesmo!

 

E sinto isso mesmo agora ao reler o que te escrevi 

E quando voltaste a entrar na minha vida

Recomeçaste a escrever-me

 Primeiro de forma suave

Mas logo voluptuosa

Que é como sabes que eu gosto

 

Afinal nem me dei conta

E tu de certeza também não

 Que entre um amor e outro

Aquela ausência pelo meio

Para regressar ao mesmo amor primitivo

Foram duas vidas que ambos vivemos

 

Viver e perecer, sem medo,

Como se tivéssemos encontrado o caminho espiritual de Buda

E voltar a nascer

E, fatalmente,

E porque tínhamos essa dívida connosco

Acabamos por nos reencontrar

Numa qualquer das minhas patranhas

À boa maneira de belzebu

Que, afinal, nos juntou neste curso de água

Que jorra indomável por entre duas rochas

Desliza por entre a serra

Vence os vários declives e acaba desaguando no mar

Como é a escrita!

 

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