O JARDIM DA GULBENKIAN
Jardim
Que floresce na cidade
Solidão derramada
Se apregoa
Se ergue em frente a uma artéria
Classificada de avenida
Com nome da capital helvética
Nevrálgico espaço citadino
Onde passei com profícua solidão
Tempo disponível
Quiçá a esboçar no meu interior
Os poemas que hoje fluem
Com facilidade
Na minha cabeça
Jardim harmonioso e redentor
E tantas foram as vezes
Que percorri
Tão aprazível caminho
Que preencheu uma parte da minha vida
Do meu passado
Evoco-o com saudade já
Que me deliciavam as suas altaneiras árvores
Me encatava o murmúrio dos arbustos
Que me recitavam palavras voluptuosas
Que pareciam preces
E ali me deliciava
Ungido na solidão
Há muito erguida
Como uma barreira
Dedicada à reflexão
E ao ardor da palavra
Jardim
Onde tantas e tantas vezes
Me deixei
Cativar pelas aves
Que numa azáfama
Faziam do lago a sua referência
Até as territoriais gaivotas
Andavam ativas a reclamar o seu espaço
Ali meditei muitas vezes
E a cor da água do lago
Era a íris dos olhos do jardim
As árvores o coração que pulsava
Jardim luxuriante
Circundando o edifício que alberga
Nome tão prestigiado em Portugal
Inúmeras vezes
A joaninha me visitou
A abelha rodopiou circunspeta as minhas orelhas
E não raras vezes o besouro me confidenciou
O que fazia no “Sítio do Pica-pau Amarelo”
Mas naquele jardim levei
Algumas das mulheres da minha vida
Onde, de coração aberto, lhes confessei
As minhas paixões momentâneas
Que das palavras ouviam
A fluir dos meus lábios
Isotéricas verdades
Fugazes episódios de vida
E quando perecer
Entregar-me-ei à terra
Andrajosa e suja
Abundante nos cemitérios
E não deambularei pelas terras e cidades
Que fazem parte do nosso imaginário
O jardim está lá
Permanece intacto
Como o meu passado
De homem de mil lugares
E não de lugar nenhum
E desde criança
Parecia ter um objetivo traçado
Como se fosse um descobridor seiscentista
Embarcado nas frágeis caravelas
Para dar rotas ao mundo!