O LOBO
Vou por ali a eito
Por fim alcanço-a
Entrincheirada e isolada
No meio dos planaltos
Voltada para uma garganta
Por onde se atreve o rio a correr
O som da água de um velho fontanário
Escondido numa construção de ciprestes
Anima o meu cansaço
Mas os meus olhos claros
Intolerantes ao sol de verão
Parecem já não aguentar mais
O sol
E aquela inclemente luz
Que dele emana!
Aproximo-me, bebo em goles sucessivos,
A água gelada que cai com força no tanque
Deixo-me capturar
Pela agradável sensação de frescura
Que acaba exacerbando os meus sentimentos
Sinto-a fluir livremente
No apertado canal
Que circunda a rua empedrada
Água clara, cristalina
Como nunca mais eu vi
Ao longe, ouço o ranger
Naquilo que me parecem queixumes
Das rodas dos velhos carros de bois
Altivos eucaliptos agitam-se
Num passo leve e comedido
Para cá
Para lá
Como se estivessem a dançar
Velhas músicas nostálgicas
Expelindo para o ar a sua marcante fragância
Na caminhada que me levou até aquelas paragens
E que não se cinze
À vetusta
Pequena
E castiça
Aldeola
Eis-me, pois, no dealbar de uma habitação
Que se sobressai das restantes
Onde debaixo de um velho alpendre
Se construiu uma gaiola
E aí esvoaçam tranquilas rolas
Que não se cansam de turturinar
O arrulho característico das rolas!
Casa que acolheu o grande Camilo em criança
Ali deu os primeiros passos nas letras
Apreendeu latim com um tio padre
E consta até numa das paredes da casa
Uma alusão ao que Camilo disse
Sobre ali ter vivido os momentos mais alegres da sua vida!
Mas quando o caminho empedrado
Pedras que, ali e ali, se vão soltando
Compostas de lisas arestas escorregadias
Eis-me, pois, a cindir o percurso
Que agora se vai estreitando
Numa íngreme descida
Onde vislumbro lá ao fundo
A água do rio acastanhada
De espuma esbranquiçada
Nas quedas de água
Que o parecem querer despertar
De um pachorrento dormitar das levadas
Mas o encontro deu-se com o velho lobo
Alfa da alcateia
Que bebia calmamente a água do rio
Quando observei o lobo dei-me o quanto estava equivocado
E eu que pensava que os lobos
Traziam a água à boca com a língua
Como os seus primos cães
Mas, afinal, eles sorvem a água
Desse lobo solitário
Que me fitou desconfiado
Com a água a escorrer
Em ínfimos fios
Pelo seu focinho empedernido
Quedou-se, desde então, em mim
Uma oculta vontade
Da busca pela solidão!