O PASSADO
O que trago comigo
Bem fundo
Comigo morrerá
Sem se revelar
A minha espessura
Indelével
E renitente
Por vezes,
Desmesuradamente opinitiva,
Sobre o que os outros padecem
Mas de mim?
De mim mesmo?
Portas trancadas
Um leve sinal de fumo negro
Augúrios
Que se silenciam
Densos
Metafísicos
Que acabam passando para uma página em branco
Que, depressa, se contagia com as palavras
Que saem à velocidade dos pensamentos
Deste que,
Vive,
Apoderando-se dos sentimentos alheios;
Um dia de cada vez
Não são dias
É uma rotina pérfida
Alicerces para uma vida suspensa
Presa a um impasse
A uma resposta
Por algo que tarda a chegar
Que não se apaga ao toque apenas
Mas que faz dos relatos
A sua própria definição;
Amo demasiado as pessoas
Para as deixar padecer em solitário
E por isso tento dar voz,
Como um presságio,
Ao que elas com tanto afinco me procuram dizer…
Campos de cereais espigados
Que balançam ao leve rumor de um vento tímido
Que me deixam extasiados
E gozo o forte odor a terra
Que me persegue
Mesmo quando já ali não estou
Rosas carmesins
Ajudam-me a florescer o desejo que tanto há em mim
Trutas e achigãs
Vorazes, silenciosos e mortíferos
Porém, acabo saboreando o mar
Sorvendo o interior de uma ostra esquartejada
E os sentidos não se apagam jamais
Flauteio vigoroso no Verão pelos bardos engalanados das videiras
Erguidas a pulso por homens colossais
Que se colam às serranias mais íngremes
Suportados por rochas
E é nos cumes mais altos
Que recebo o vento
Esse mesmo vento
Que tantas vezes acompanhou Torga
Nas suas elucubrações
Tocando-me com vigor no rosto
E é aí que sinto que descubro a paisagem da meseta ibérica
Nesses Campos de Castilla
Onde o sevilhano António Machado
Versejou sobre Sória
Essa mesma terra
Onde há muitos séculos atrás
Nasceu esse mítico Poema de Meo Cid!
Mas serei eu mesmo a sentir isso?
Ou, mais uma vez,
Vesti as vestes de alguém
Saudoso e circunspecto
Que não quer revelar o passado?