ONDE EU QUERO ESTAR
Se regressares dessas façanhas
Trajado com as vestes de cruzado
De ar circunspecto e vitorioso
De barba de três dias
De tez exótica e bronzeada
Que te aproxima daqueles
A quem decretas fatwas
Pensando que tudo está controlado
E que te podes rir
Nas barbas dos outros
Podes traficar afetos
Distribuir prebendas
A esmo
Felicidade para todos
Em troca desse teu falso amor
Incondicional aos cidadãos
Não te olvides
Que vives no reino da fantasia
Já não sequer o do papel
Mas o da página em branco
Onde riscas, traças, arquitetas
Vida e vidas
Que não te trarão a paz,
A tranquilidade
Mas todo o seu contrário!
Nessas areias movediças
Em que te deslocas
Não há sequer
Um palmo que se aviste
Que seja estável e sólido
Mas nessa viagem forjarás
Os desígnios dessa tua luz
Que inacessível e tormentosa
Te pode fazer delirar
Que a vitória está ali tão perto
A escrita
Apenas
Te pode fazer resgatar da vida
Da alegria
Do contato com os demais
Mas vivendo unicamente sob as palavras
Tuas e dos outros
Tu vives no interior de um casulo
E mesmo que guarnecido de asas
De que serviriam elas
Se não pudesses voar?
Poderás ambicionar sorver
A água límpida que enche essa taça
Colhida
Como se fosse a água mais pura do universo
E ela te dê a palavra mais densa
O sentimento mais forte
E pensares
Que, assim, tens tudo na mão
Mas não imaginas
De como belzebu é flibusteiro
Ele que é amargo de boca
Intrometido no coração das pessoas
Adora endoidecê-las
Aos que se apresentam hábeis servos de deus
E aos ímpios a quem belzebu adora
De longe, de onde ele vem,
Não se importa com as aparências
Aliás, vive em cima delas
Mas servo do deus único
Atado em promessas
De milagres ostensivos
Rugoso pai
Incendiado pelo toque
Dessa brasa que se ateia
Que em ti é fogo do mesmo fogo
Sorri com essa ânsia de florires
Insipientes orgasmos
Insidiosas vontades
Que não te farão maior do que o que és
Vai
Por onde viestes
Deixa-me neste meu longo caminho
Junto à praia
Deixa-me afagar os catos
Para me habituar aos atrozes espinhos
Que me aproximarão da fogueira universal
Que me deixará triunfante
Nesta minha solidão em que escolhi viver
Longe das palavras amáveis dos outros
Num qualquer lugarejo
Pois mesmo que odiado
É aí onde eu quero estar!
De ti
Quero distância
Antes o meu diabo
Que o teu diabo de pessoa.