PAX
Os anos passam
Permanecem as memórias
Que são também
Páginas lustrosas da nossa própria vida
Naqueles instantes em que o presente
Se sente pastoso e desalentado,
Mas as tuas lembranças
Tenho-as e tê-las-ei sempre
Bem vivas
Pois guardo dentro de mim
Uma aresta que sempre esbarro!
Os velhos salmões acodem ao açude
Tingindo as águas esdrúxulas
De um velho ribeiro que não desiste de correr;
Águias que pairam no ar que ilumina o desfiladeiro
Por onde corre um vento forte e sincopado
Parecem suspensas nos céus azuis das serras
Imperiais e cortantes
À espera de algo para comer;
Um velho cão
Que não larga o dono
Caminha
Custoso
Desnivelado
E débil
Pousando as suas patas
Flácidas e periclitantes
Que já não se fixam no solo
Movimentando-se a custo:
Já lá vai o tempo em que
Ágil e aventureiro
Este velho amigo
Pulava de um lado para o outro
Com agilidade de um felino,
Agora
Descansa a meus pés
Inelutavelmente
Dormindo, dormindo
Sono profundo
Infindável
Que só se interrompe
Quando um gesto meu
O faz despertar e erguer-se
Para caminhar a meu lado
Ou atrás de mim,
Mas agora
Vergado ao peso dos anos
É penoso e triste
Vê-lo calcorrear
Todos os locais que piso
Querendo estar sempre onde estou
Se pudesse…ah… se pudesse…
Este velho companheiro
Andava sistematicamente a meu lado
Nunca o avistei cansado por me acompanhar
Mas antes feliz e lisonjeado por o fazer
Haverá prova de maior afeto?
Quando morrer ter-te-ei a meu lado
Agitando a exígua cauda cortada
Olhando-me profundo e contemplativo!