PENSAR MAIS
Aspergiste suavemente esse teu odor corporal
A que eu de imediato aderi
Quis e senti-te, desde logo, bem próxima de mim
Como se noutra vida já nos tivéssemos cruzado e compartido emoções
E nessas, memórias que são, guardo-as na minha alma,
Que conserva as vivências de outras vidas
As tuas longas pernas dobradas,
Como uma girafa que bebe água de uma poça,
Sobre mim a envolver o meu corpo
E as vezes que eu tremia ao som desse doce sussurrar
Que a tua escrita, agora lida, parece conter
Ouvi-te soletrar
Declamar, passo a passo,
As minhas palavras
Sorvi cada uma delas
Lavradas em prosa poética
Lavei-me com a água mais pura da nascente
Empanturrei-me de palavras, de sons, de afetos
Subi a todas as árvores
Para ver se te avistava
Nos frutos guardados nas copas
Mas nenhum deles tinha a doçura e o sumo que têm as tuas palavras
Que eu lia todos os dias com sofreguidão
Um dia encontrei-te a calcorrear a areia junto ao mar
Tinhas um ar tristonho
Parecias ensimesmada com os teus problemas
Ou seria o excesso de trabalho?
Noutra ocasião, avistei-te ao longe imóvel
No alto de uma montanha
E parecias uma sacerdotisa a abençoar aquela vista admirável
De mãos ao alto
Cabeça levantada
E olhos vidrados no horizonte
Bem te acenei,
Mas em vão,
Senti-me como se estivesse numa ilha longínqua
E tu eras uma embarcação que passava ao largo
Mas por mais que acenasse não me conseguias ver
Noutra jornada, vi-te junto a um banco de um jardim
Só,
Mais uma vez,
Aliás, imagino-te sempre só
Parece que transportas toda a solidão da humanidade
Quiçá, o é esse teu trabalho que te obrigue ao convívio
E por isso, quando estás de folga
Andas invariavelmente só
Noutra vez, li uma carta tua,
Indubitavelmente uma confissão
Estavas decidida a mudar tudo de uma vez
Tinhas no alto da tua folha um “ser mais”
E desta vez intui-te ainda mais triste do que das outras vezes
Vi-te a olhar a relva
A admirar uns melros
Que, afanosos, saltitavam para encontrar minhocas
Olhei-te ao longe, vi como os teus olhos irradiavam deceção
Não me vistes, passei pelo meio de uns arbustros,
E quando me cheguei a ti
Viraste o pescoço de modo impetuoso
E olhaste-me de frente
Sorriste
Reconheceste-me
E vi, nesse teu semblante de garota,
Um entusiasmo que há muito não via nesse teu rosto
Olhar-me, e eu olhar-te,
Despertou em nós sentimentos fortíssimos
Afinal, cada um de nós
Acabou reconhecendo a sua alma gémea
Pelas palavras
Elas não enganam
Por isso, antes de amarmos as pessoas
Amamos as suas palavras
Nascemos, morremos ou salvamo-nos
Pelas palavras
E pelos afetos que cada uma delas nos acabam proporcionando!