POEMA A QUATRO MÃOS
Os dedos
Os meus dedos
Mantém-se firmes suspensos sob as letras do teclado
Paixão? Amor à arte? Vício?
Ou vontade de afirmar e dar continuidade à alma?
Que, insana, grita, demencial em busca da glória!
Os meus pungentes dedos
Finos e longos
Que contemplo em cada mão
Parecem um arqueológo
Que busca, ufano,
Os vestígios do passado
Mas os meus dedos
Não procuram a existência material das coisas
Os meus dedos estão para além disso
Vasculham a palavra, a frase
Que melhor sirvam
A dimensão dessa minha memória
Da minha vivência
Das correspondência, ou não, afetivas
Gravadas nesse quadro interminável
Que regista a nossa passagem
Por esta vida!
Na noite em que tu
Buscas o sustento
Nos longos turnos de trabalho
Ou na interminável noite de insónia
Ou, simplesmente, pela veemência com que despertas
Para exaltar e perfumar a tua arte
Enchendo-a de palavras, de uma vida
Que são como um filho
Motivo de tanto orgulho dos pais
Deixa-me desafiar-te até às águas genuínas
Desse rio límpido das tuas memórias
Onde guardas a essência da tua alma
Onde guarneces os ríspidos momentos,
Ausentes das tuas entranhas fechadas no armário
E serpenteias pelas ruas onde só há a Razão pura
Onde o mundo material tem a sua plena justificação
Deixa-me ouvir a tua voz sentida
Profunda
Alada
Guarnecida dessa tua rica prosa poética…