POEMA VERDE
A luz apaga-se
A noite é escura
Pode, ou não, ser longa
Tento dormir
Em vão,
Permaneço acordado
Desespero-me
Estremeço
Tento, desejo mesmo, adormecer
Mas sinto-me incapaz de o fazer
Parece que algo se diluiu na minha corrente sanguínea
Que me impede de adormecer interruptamente
Acabo por te rever
Folheando esse teu livro
Que ficou para a história com o teu nome de poeta
Página a página
Verso a verso
Palavra a palavra
Tu que tão escassos livros publicaste
Mas nesse teu livro de poeta que se assoma ao meu sonho
Vêm-me citações recheadas de versos
Consistentes
Reais
Ideias fantasiosas também
Que foste deixando
Em tão efémera passagem por esta vida
Tento encontrar-te
Na tua fugaz modernidade
De longas filas de homens e mulheres
Desesperados
Que se acotovelavam
Às entradas dos hospitais
E sem que ninguém os atendesse
Vislumbro esse médico
Que a fé popular lisboeta
Alcandorou a santo
Apesar de todas as dúvidas
Do episcopado ali tão perto
Olho, enfim,
Com um olhar mais abrangente
Para me recordar da tua silhueta
Restam-me uns lampejos do dia
Mas acabo por me perder
Na noite profunda
E vêm-me à tona
Pensamentos
Desejos
Quiçá, que não consegui realizar durante o dia
E nessa noite de sombras
Que foi a minha noite adormecido
Vislumbro um homem ao longe
Não sei pelas semelhanças,
Se pelo meu desejo
acabo associando-o a ti,
De aparência frágil
De tonalidade epidérmica pálida
E nutrido por um olhar
Precoce e jovial
Daqueles homens eternamente jovens
Abonecado por um bigode
Que nos parece querer sussurrar algo
E esse homem, acabou segredando-me palavras sentidas
Descrições de uma dura realidade bem sofrida
Pontuadas por exposições tão fantasiosas
Acabo perdido nas palavras
Que deixaste para a história como poeta
Algumas que retratam tão duras realidades
Povoadas de fantasmas
Que teimam em girar
Nessa mente pululada de febril imaginação
Que não descansava nunca
Mas tu, jovem poeta,
Que pereceu aos trinta e poucos anitos
Porque me persegues tanto nos últimos anos?
Será que me queres avisar de algo?
Porque recorres constantemente
Ao rumor para me avisar
Nos silêncios da noite
E sussurras tantas vezes
A nomenclatura estrangeirada com que me apresento?
Acaso julgarás que és deus e eu o Diabo de gente?
E sim,
Pega na viola
Toca
Eleva a tua voz e canta
Os teus maiores e atuais desígnios
Já que o não pudeste fazer em vida
Tão amarguradamente ignorada por todos
Onde os teus poemas
Só após a tua morte
Passaram a ser apreciados
Hoje és tão citado
Até nas academias és estudado
Mas morrestes, não sei se convencido do teu valor,
Pelo menos sem o reconhecimento dos demais
Como muitos,
Estavas deslocado num tempo
Em que a arte poética
Louvava sempre essa viagem aos sentimentos
E tu surgias aparentemente tão seco e racional!
Prefiro, pois a solidão
Que não me citem
Que não me bajulem
Dou apenas aos outros
O que quero dar
Até os dados aparentemente mais banais
Escondo, escondo-te
E quando escrevo, escrevendo-te
É para aplacar os buracos negros da minha existência
Apenas!
Ao poeta Cesário Verde.