POR FIM A A REPOUSAR
Enquanto percorro a ladeira e vou no encalço
Triste e a reviver
Esses teus olhos lacrimejados
Que
As novas que me foram chegando
Se foram cerrando sucessivamente
Até que se bloquearam em definitivo
Dou-me conta que
A voz que se foi enfraquecendo
O apetite que se foi esfumando
A saliva que se foi perdendo
Os dentes periclitantes
E cada vez mais oscilantes
Já não mordiscavam o pão
E até já não mostravam
Esse teu, outrora, sorriso aberto e franco
Que tanto enchia os corações das pessoas
A indisposição que acabou sobrepondo-se
Em permanência
A minar o teu débil entusiasmo
A água, outrora, tão apetecida
Queimava as tuas entranhas
O teu estômago descera até aos infernos
E começaste a passar os dias
A desejar viver
Mas fixo na ideia
De idealizar o mundo quanto partisses:
E foi numa dessas deslocações até ao teu interior mais profundo
Que voltastes a olhar o rio da tua infância
Admirar a pureza das suas águas
Onde tantas vezes te banhastes
Gritaste, riste de sorriso aberto
Te silenciaste envolto na suas águas
A tentar capturar um peixe
E sempre
Sobretudo nestes últimos tempos
Te advinha à memória
Aquela narrativa do padre que
Uma e outra vez
Narrava o episódio
Da moça enraivecida
Que vingando-se do consorte fugidio
Se lançou pelos pedregulhos
Até que
Desfeita e defunta
Embateu nas águas esbranquiçadas
Nos funestos rápidos do rio
E desapareceu ...
Mas tu
Já sem a paz no corpo
Continuaste a olhar ao espelho
E foste dando conta que os ossos
Enrijeceram-se e colaram-se às peles do teu rosto
Eras agora um empedernido busto
Que os de fora já não conheciam
De repente,
Os teus olhos encerraram-se em definitivo
Batia, ao de leve, ainda, o teu já fraco coração
Que ainda te irrigava o cérebro
E era assim nesse tremor provocado pelos químicos
Que adormecias profundamente
E sonhavas muito
Não querias saber do presente
Olhavas apenas para o passado
Quando o mundo para ti
Era a pacata vila
Para ti enorme
Que mira altaneira
Para o rio lá longe
Como se fosse uma língua de prata
Ladeada por entre montes e vales...
Por fim repousastes
Na terra que te viu nascer
À sombra de uma velha arvore
Que será agora a tua companhia eterna
Até que o pó te leve
Até à morada
Onde todos temos um lugar!