RECONCILIAÇÃO
Contemplo-te
Mar sereno e anisado
Não demasiadamente longe
Para não me deixar trespassar pela indiferença
Nem excessivamente perto
Para não ser esventrado
Pelo gume cortante das ondas
Que crescem na medida de um dicotómico humor
Que é a sua tirania endémica
E deixo-me embalar
Nas tuas doces ondas
Que aconchegam os veraneantes;
Estes homens, mulheres e crianças
Que parecem agora viver na praia
Expulsaram as gaivotas
Que no seu remanso
Parecem estar sempre em busca da verdade,
Mas estes minúsculos pontos bronzeados
Que cintilam na areia
De verdade têm tanto
Como certos profetas
Que vivem obcecados
Por serem amados apenas;
Recoloco o ouvido
À escuta de um murmúrio
De uma palavra
De um grito
Que me leve até ao longínquo farol
Mas ali
No meio daquela multidão
Inclemente
Multicolor
Multicultural
Nada vaticino
Receoso
Para não cessar
Com aquela contemplação
Que me salva da dureza da vida
Feita de pequenos instantes
Neste verão que se aproxima
Onde por fim
Me reencontro e sou feliz
A contemplar
Aquela paisagem
E é nesse instante
Que sou surpreendido
Pela passagem de um cruzeiro
Que coerente
E luminoso
Se ergue do mar
Para percorrer distâncias infindáveis
Embalado nas doces madrugadas
Pelo belo canto das sereias
A escrever belas páginas
No seu jeito caprichoso
De marinheiro
Que não é de ninguém
Nem pertence a lugar nenhum…
Mas ciclicamente
Avisto dois marujos
Num arquipélago africano
Assanhados
E a lutar pelas meninas
Que, num momento de descontração,
E exaltação,
Estavam dispostas a algo mais
Do que colar o seu corpo
Descrevendo uns ondulantes passos de dança!