SANGRE DE CASTELLA
Por onde andas
Federico Garcia Lorca?
Acaso viajas nas nuvens
Como sempre parece ter sido o teu desígnio?
Tu que foste assassinado
Cobarde e vilmente
Pelos fascistas de outrora
De unicórnio na cabeça
E que recentemente começaram a pugnar
Entusiasmados
Que o mundo é dos machos
E que todos os outros,
Sejam ou não minorias,
Devem ser banidos
Ou humilhados dos escaparates
Mas, como poderei encontrar-te?
Ou, pelo menos,
Como poderei encontrar essa armadura
Que sustentou a tua carne?
Tu que provocaste pânico
Nos teus perseguidores
Que, irresolutos, acabaram por te fuzilar
Enterrando-te à pressa
Sem cuidarem de saber se estavas vivo
Se o teu coração batia ou não?
Mas, Federico,
Mesmo que eu acabe por não te encontrar
Os teus vestígios corporais
Ou esses teus olhos tão radiantes
Ou os teus lábios finos e volúveis
Mas deixa-me ficar-me pelo óbvio
Disfrutar da harmonia e da cadência das tuas palavras
Em castelhano? Sim, em castelhano…
Tem mais música, mais profundidade, mais salero
Mas, deixa-me, enfim, ouvir esse verso eterno
Que, infatigável, se repete dentro de mim:
“Verde que te quero verde”
Essa gente que abomina ciganos
Pretos e outras minorias
Que repele a igualdade de género
Que não pode ouvir falar sequer de homossexualidade
Que tem sempre um discurso associado de ódio
A tudo o que é diferente
Essa tropa de gloriosos defensores
Dos “bons e castos costumes”
Quer retomar o poder
Rindo-se, à despregada, da cara dos humildes
Que votam neles
E que regozijam quando olham para o povo
Que identifica os mesmos males
Que eles identificam
Mas povo, esse, que quer sangue
E esses novos fascistas querem
Exigem mesmo
A pena perpétua
Mas logo a seguir quererão a pena capital
E querem-na, sobretudo,
Para fazer o que outrora fizeram a Federico
Assassinar, furar, esventrar
A todos esses medonhos “maricas”
Esfumando os seus corpos
Sepultando-os em valas comuns!
Mas, imponderável, dos imponderáveis,
Federico foi muito mais grandioso
Do que esses capões de meia tigela
Dos capões, nem penas lhe sobraram
Mas de Federico?..
Então não é que sobreviveram
As sublimes palavras desse genial inventor delas
Que as tratou como alguma vez alguém ousou tratar
Esse músico que fez perdurar até hoje as suas composições
Esse fugaz homem a quem a figura paterna o assustava
E que buscava na mãe o conforto
O colo
Que ele tanto procurou na sua fugaz e efémera vida
Em Fuente de los Vaqueros
Morreu, diz-se, de costas
Simbólico ato
Perpetrado pela soldadesca da Benemérita
Desses que na sua divisa propugnam:
“Honrar é minha insígnia”
Pois…entendo…
De costas é que os invertidos devem ser mortos!
Mas Federico
Descansa em paz
Nessa firme e dura terra de Castela
Que nas noites de lua cheia
Eclode sangue desde as suas entranhas!