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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

SANGRE DE CASTELLA

 

federico_garcia80677.jpg

 

 

Por onde andas

Federico Garcia Lorca?

Acaso viajas nas nuvens

Como sempre parece ter sido o teu desígnio?

Tu que foste assassinado

Cobarde e vilmente 

Pelos fascistas de outrora

De unicórnio na cabeça

E que recentemente começaram a pugnar

Entusiasmados

Que o mundo é dos machos

E que todos os outros,

Sejam ou não minorias,

Devem ser banidos

Ou humilhados dos escaparates

 

Mas, como poderei encontrar-te?

Ou, pelo menos,

Como poderei encontrar essa armadura

Que sustentou a tua carne?

Tu que provocaste pânico

Nos teus perseguidores

Que, irresolutos, acabaram por te fuzilar

 Enterrando-te à pressa

 Sem cuidarem de saber se estavas vivo

Se o teu coração batia ou não?

 

Mas, Federico,

Mesmo que eu acabe por não te encontrar

Os teus vestígios corporais

Ou esses teus olhos tão radiantes

Ou os teus lábios finos e volúveis

Mas deixa-me ficar-me pelo óbvio

Disfrutar da harmonia e da cadência das tuas palavras

Em castelhano? Sim, em castelhano…

Tem mais música, mais profundidade, mais salero

 

Mas, deixa-me, enfim, ouvir esse verso eterno  

Que, infatigável, se repete dentro de mim:

“Verde que te quero verde”

 

Essa gente que abomina ciganos

Pretos e outras minorias

Que repele a igualdade de género

Que não pode ouvir falar sequer de homossexualidade

Que tem sempre um discurso associado de ódio

A tudo o que é diferente

Essa tropa de gloriosos defensores

Dos “bons e castos costumes”

Quer retomar o poder

Rindo-se, à despregada, da cara dos humildes

Que votam neles

E que regozijam quando olham para o povo

Que identifica os mesmos males

Que eles identificam  

 

Mas povo, esse, que quer sangue

E esses novos fascistas querem

Exigem mesmo

A pena perpétua

Mas logo a seguir quererão a pena capital

E querem-na, sobretudo,

Para fazer o que outrora fizeram a Federico

Assassinar, furar, esventrar

A todos esses medonhos “maricas”

Esfumando os seus corpos

Sepultando-os em valas comuns!

 

Mas, imponderável, dos imponderáveis,

Federico foi muito mais grandioso

Do que esses capões de meia tigela

 

Dos capões, nem penas lhe sobraram

Mas de Federico?..

Então não é que sobreviveram  

As sublimes palavras desse genial inventor delas  

Que as tratou como alguma vez alguém ousou tratar

Esse músico que fez perdurar até hoje as suas composições

Esse fugaz homem a quem a figura paterna o assustava

E que buscava na mãe o conforto

O colo

Que ele tanto procurou na sua fugaz e efémera vida

Em Fuente de los Vaqueros

 

Morreu, diz-se, de costas

Simbólico ato

Perpetrado pela soldadesca da Benemérita 

Desses que na sua divisa propugnam:

“Honrar é minha insígnia”

Pois…entendo…

De costas é que os invertidos devem ser mortos!

 

Mas Federico

Descansa em paz

Nessa firme e dura terra de Castela

Que nas noites de lua cheia

Eclode sangue desde as suas entranhas!

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