SILÊNCIO DE PEDRA
Espaço aberto
De linhas retangulares
Murado
Onde impera um silêncio saudoso e gélido
Redoma de sossego
Memória venerada
Um dia também ali estarei
Não sei se alguém me irá reverenciar?
Ali
Permanecem a memória dos que já não podem falar
E é neste terno silêncio que parecem aguardar a redenção
Campas, jazigos, mausoléus
Erguidos em mármore, granito
Nas suas várias cambiantes
Mas também,
Modestas campas em terra batida
Com aquela ligeira elevação
Tudo em nome do ritual da morte
Cruzes
Anjinhos
Múltiplos bustos
Lápides com rostos gravados
Preenchidas por palavras sentidas
Mistérios
Que até neste lugar nos interpelam
Sobre o culto das palavras
Algumas com longas dissertações
Outras com frases curtas e tantas vezes repetidas
Para os eternizar
E flores, muitas flores,
Por todo o lado
A intermediar a fria e monolítica pedra
A deixar no ar aquele odor floral
Que nos ajuda a amenizar
A podridão que grassa no subsolo
Que vai consumindo os cadáveres
Cedros altaneiros
Que evocam o culto católico de orar
Com as mãos estendidas para o céu
Pássaros que o sobrevoam
Debandam pelos cedros que oram
Ignoram o que o lugar simboliza
Chilreiam
Esmiúçam-se em encontrar um sítio apropriado
Para erguer os seus ninhos
Pessoas vestidas de negro
Andam de um lado para o outro
De balde na mão
Lançando água sobre as campas
Esfregam-nas
E tudo feito com uma paciência
Que me deixa com alguma inveja
Naqueles movimentos cerimoniosos
Imbuídos de um venerando respeito
Para fazer cumprir
O que consta nas inúmeras lápides
“Descansa em paz”!
Lugar mais próximo do fim
Uma linha ténue
A última fronteira
Que separa a vida da morte
Fascinação que experimento
De cada vez que ali me desloco
O silêncio do lugar
Um tónico que me ajuda a superar as agruras da vida
Ali ouço os queixumes do vento
O canto dos pássaros
Que voam jubilosos de um lado para outro
Junto à campa do meu progenitor
Converso com ele
Como dois grandes amigos
Em silêncio para não perturbar a ordem do lugar
E, em murmúrio, explico-lhe eu e os outros
Apetecia-me deixar umas pedras em alguns túmulos
Romper com a tradição do catolicismo
Que só tolera flores
Odoríficas mas que são perecíveis
Perante os que amei ou gostei
Para poder lembrar-me de cada um deles
Mantendo sua memória preservada
Para que as almas ali permaneçam
Onde devem estar
Pedras que, duradoiras,
Serviriam para eternizar as memórias
Dos que verdadeiramente amamos e gostamos!