SÓ
Nesse teu melancólico olhar
Rente, interior, insatisfeito
Fugidio e fugaz
Alcanço
Num ocasional instante
Em que te revejo
E converso
Essas tuas inquietações
Que me surgem desde ti
Adquiro a certeza que a paixão
Essa que se escondeu
No teu opressivo pudor
E vive agora instalada na sombra
Do teu glorioso passado
Foi substância irrevogável
Que te abandonou
Nesse dia em que te revi
Leves gotículas de chuva
Soavam silenciosas no solo
Sem aquela sonoridade
Forte e expressiva
Que nos faz recuar
Perante a sua aparição
O dia, apesar de cinzento e enevoado,
Apresentava-se ameno
Mas este nosso reencontro
Não podia ocorrer de outra maneira
Que não fosse
Soar a estranho e, especialmente, emotivo
A conversa discorreu em tom intimista
A emoção subiu célere e quase de imediato
E, estranhamente, senti frio
Leves vibrações abalaram o meu corpo
Senti-te tensa e vi breves esgueirares
De olhares para que eu não visse
O que os teus olhos não queriam que eu visse
Estremeci e tu, ainda mais, estremeceste
Vislumbrar esses teus olhos tristonhos
Desinspirados e perdidos nas tuas memórias
E que se acendiam de júbilo
Quando falavas do futuro
Ou dessa descoberta interior
Filosófica e espiritual
Que tu
Desiludida, arrefecida, despida e desinspirada
Pela ausência de desejo
Que paulatinamente
E sem que te desses conta
Te foi abandonando
Te obrigou a enveredar
E foi, assim, essa luz transcendental
De busca, de procura
Pelo crescimento interior
Repelindo o que quotidianamente te rodeava:
Essas pessoas próximas que já não te dizem nada
Que se transformou na única luz que te orienta
Sustentada nessa parábola budista
Que vê um cavaleiro a trotar ligeiro;
Alguém pergunta:
- Para onde vais cavaleiro?
E o cavaleiro responde:
- Não sei…pergunta ao cavalo!
Mas nessas tuas mãos enrugadas
De dedos habituados
A esticarem-se
A entrelaçaram-se
A se encerrarem
Na concha da mão
Para não testemunharem
O magma de sentimentos
Que submergem
Nesse teu coração destroçado
Sem mel já para o alimentar
E sem a doçura sanguínea
Que acaba repelindo as borboletas
Dessa flor que levas ao peito
Murcha e, estranhamente, muda
E sem néctar
Mas os teus olhos
São todo um poema
Uma triste ode aos condenados
Aos que não têm redenção
Aos que mataram e vilipendiaram
Mas tu
Não mataste
Não roubaste
Não burlaste
Tu apenas querias dar a tua suavidade
Essa tua cor de fogo
Que explode de desejo
Na hora em que a chuva caí
Em bátegas múltiplas
Que acabam arrefecendo
Essa tua felicidade
A que, todavia, não olvidaste
E que anseias ainda voltar a ter!
Gostava de te abraçar
De te lançar os meus longos braços
Para te envolver a tua cútis
Gostava de te relançar o desejo
Mas isso seria trair
Cada um dos nossos projetos de vida
Por um fugaz e quente reencontro
E no final estaríamos os dois
Irremediavelmente sós!