SOB A BATUTA DA DUREZA DAS PALAVRAS
Funesto e horripilante dia em que te vi
Tu eras snob
Sofisticada
A mais vertical e espampanante
De olhar meloso
Cintilante…
O teu olhar era agressivo, sulfuroso
Vilmente ardiloso
Mostravas uma respiração cadente e apressada
Enfim, via-se em ti
Alguém com um interior afogueado
O tipo de pessoa
Que se abastece
Nas leiras dos outros;
Não o querias dizer
E muito menos admitir
Mas eu intuía
Que, por baixo dessa tua postura de soberba,
de cada vez que te observava
Via que medrava
Uma implacável crueldade
Como a de um felino:
Graça
Voracidade
Simulação
Os três tércios taurinos
Comos e fosse uma excitante tourada a pé;
Nessa tua pressa em me rodear
Parecias um daqueles repteis rastejantes
Que espera paciente pela presa…
Dizias cousas belas e alucinantes
Palavras celestiais que,
No imediato,
Eu não conseguia ser indiferente
E me enchiam
De uma enorme paixão
E era aí que eu via em ti
Um êxtase
Um furor
Uma força interior
O desespero
De quem não vê chegar o dia
Em que ocupará os interstícios
Da colossal solidão em vive;
Enlevavas-me com os teus diálogos
Exultava com as tuas eloquentes palavras
Que trespassavam o discernimento
E, eu, enredado nessa teia
Não me dava conta
De tudo o resto que havia em ti
Que estava lá
Mas o que eu via
Era aquilo que eu parecia querer ver
E não o que julgava que estava lá em ti
Afinal uma ilusão…
Chegou, porém, o dia em que me libertei desse jugo
Passei a respirar melhor
A viver mais prazerosamente a espuma dos dias
Tornaste-te dispensável
Passei a ser, outra vez, aquele ser
Que caminha de cabeça erguida
Que olha em frente e vê
Os cines voando em direção ao norte
Sem receios da aventura e da distância
Seguros da paixão única e eterna
E uma fina camada de gelo se derreteu
Perante uma banal curiosidade
E acabei por me tornar jubiloso
Exultante até
Questionando-me
Desta minha paixão
E, já consolado, gritei-lhe:
Não me esperes que não te ouvirei
Prefiro escutar o canto dos rouxinóis
Que celebram a beleza da vida
A pureza de uma solidão
Enredado na espessa camada de árvores
Que rodeiam as águas calmas de um rio
Ouvir a saudade
Que parece emanar das suas lindas belíssimas que interpreta
E apesar da memória dos homens
Da evocação dos factos da vida
Das circunstâncias e das pessoas que vamos conhecendo
Haverá um dia em que
Tu já não estarás na minha cabeça
Viverás apenas no firmamento
Entre os neurónios
Que preencham as cabeças dos outros
Não na minha!