JARDIM DO ÉDEN
Tela Jardim de Éden de Jan Bruegel.
Essa gota de água do mar
Que eu conservo
Com tanto enlevo
Na palma da minha mão
Já não se encrespa
Já não ameaça
Já nem sequer se escapule
Pereceu
Lá atrás
No passado;
Mas
Esse passado
Ainda me persegue no presente
E continuará a perseguir no futuro
Nada nem ninguém poderá tirar-mo!
Naquele dia
Em que simplesmente ignoraste
Os meus chamamentos
Ou pelo menos não respondeste
Aos meus apelos
Feitos de viva voz e reiteradamente
Acabei subterrado na areia
De forma tão inconsistente
Como absurda
Para não mais de lá sair.
Eu podia ser a areia
E tu podias ser o mar
Eu podia ser o vento
E tu podias ser o sol
Podíamos ser o que nós quiséssemos
Podíamos ser dois amantes
Montados num cavalo alado
Ou a caminhar
Pachorrentos
Num dos recantos do jardim do Éden
Ao lado de uma multidão de seres
Tão distintos e tão diferentes
Regando as plantas
Que exalam finos odores
Que crescem naquele jardim
Mas acabamos longe
Amargurados
Cada qual no seu canto
A suspirar
Com pena de si próprios
A sarar as saudades
No sal depositado nas feridas
Tentados
A seduzir
Novamente a paixão
Carregada de luz própria
Que derruba os impossíveis
E une todas as vontades;
Mas fomos incapazes de regressar ao jardim
Onde tu e eu fomos tão felizes
Onde as palavras eram o nosso sustento
Os nossos desejos vontades
Ao todo que dissemos um ao outro
Ao muito que deixamos por dizer
Mas falamos tanto
Ensandecemos até
Desejamos tanto
Procuramos loucamente
A verdade que nos perseguia
Oculta
Ou às claras
Chegamos até a fazer amor
Nos locais mais improváveis
À luz do dia
Debaixo dos olhares das pessoas que passavam apressadas
E que de tão inusitado
Não entendiam a loucura que tomara conta de nós!
Naquele recanto do jardim
Tão secreto como improvável
Apropriei-me dos teus finos lábios
Sorvi essa tua boca húmida
Carregada de desejo
Tão ávida da minha
Mas foi por pouco
Separamo-nos
E ficamos a suspirar
Pelo mar
Pela areia
Pelas noites quentes de verão
A olhar extasiados as linhas da mão
A surfar nas ondas da paixão
Que esse mar calmo
Tanto nos quis dizer
E nós não o soubemos interpretar!
Hoje…
Ficou apenas o mar e a areia
E por isso digo para comigo
Tu és o mar
Eu sou a areia
E todos os dias nos envolvemos
Nesse leito silencioso da paixão!