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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

TEMERÁRIA

Ameixa.jpg

        I

Desapegou-se  

Uma ameixa

Temerária

Precipitando-se 

Do alto da árvore que lhe deu ser 

Até ao solo

Rolando

Para iniciar uma expedição

Entusiasmada e resplandecente!

Com o decurso da viagem

Foi perdendo fulgor

E passou a mover-se

Como um minúsculo deão  

De um venerando mosteiro medieval;  

E, nesse entretanto,

Roçou ténue

No corpo de uma mulher,

De corpo assimétrico

Em chama

Que jazia amaneirado  

No meio da relva

Debaixo de um sol abrasador de verão,

Até que se imobilizou;

Ao toque

A mulher

Assustou-se

Arrefeceu

A colisão fez-lhe diluir o desejo

Mas logo se recompôs

E voltou esfuziante

Aos tórridos pensamentos

Mas acabou por colher a ameixa,

Que jazia imóvel a seu lado,

Depois de percorrer caminhos

Nunca antes experimentados   

Debaixo de uma áurea de mistério,

E tateou o fruto  

Subtilmente

Pelo seu corpo,

Rendido  

Às gotículas

Saídas de uma pequena fenda

Aberta pelo impacto da queda,

Sugando a seiva

Depositada no seu indicador

Que acabou levando aos lábios

Em deleite

Épico   

Sentindo-lhe a frescura

Da juventude

E a força da maturidade

De tão elegante fruto

Que se despegou intencionalmente da árvore  

E que caiu com estrondo no solo

E rolou pelo terreno em declive 

Impaciente para conhecer o mundo…

                    II

Mulher distanciada

Que abjurou

Há muito

Ao toque de estranhos:    

Esse pai abusador não lhe saí do pensamento…

Vive sitiada nesse castelo sombrio

Isolada

E lastimosa

Separada dessa mãe

Que sempre morreu de inveja do marido

Que nunca quis verdadeiramente sê-lo!

Mas pela primeira vez

Aquela ameixa

Fê-la sentir deleitada

Não lhe deu descanso

E com a ameixa na mão

Palmilhou

Suave e pacientemente

As arestas mais longínquas e íntimas do seu corpo

Deixando gotículas

Escancarando a fragilidade

Não assumida

Mas inexpugnável

Da solidão endeusada

Que tantos dissabores lhe trouxe

Mas algumas vantagens,

Pois, verdadeiramente, nunca soube o que era amor fracassado

Ou não correspondido

Vivendo, antes, uma vida sem exposição;

E com a mão

Ceifou barreiras

Tabus incestuosos,

Com a ameixa na mão

Aliciou o desejo

E percorreu a cordilheira

Flácida e elástica encimada pelos pináculos

Desceu pelo delgado sendeiro por onde as gotas de suor vagueiam

Alcançou a planície

Alongada

Seca e em chamas

Onde um velho poço seco e abandonado

Que antes a ligava à terra 

É agora resquício apenas

No centro daquela seara, 

Mas a ameixa não se quedou na pachorrenta paisagem  

Foi-se a eito 

Percorrendo

Abrindo caminho

Até que

De tanto buscar

Descobriu a gruta

Pura   

Recôndita

E macilenta

Velada pela água salina

Que lhe apaga a sede no interior    

Nunca antes visitado

E,

Movida a canoa,

Mareou   

No ramificado e escuro covil  

Fruindo o que a atrevida e arrojada ameixa

Acabou por lhe proporcionar:

E fez-se-lhe uma luz…nunca antes vista!   

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