ARTUR JORGE
Por onde andará
Essa áurea misteriosa
Que até chegou a ser nomeado com título régio?
Nesse farto bigode
Carregado
Negro
Lutuoso
Esponjoso
Opulento
De gestos e olhares
Onde imperava a elegância de um gentleman,
Dominavas
Como ninguém a arte da palavra
Ensinaste gerações de treinadores
A dizer e a fazer:
- Coisas bonitas…
Mas há muito que esvoaçaste
Voando em solitário no céu azul de verão
Para uma dimensão apoteótica
Onde levitam as almas sensíveis
Os espíritos inquietos
Os cultores da estética
Que observam as cores e as formas de uma bela pintura
Mas em ti sobressaia a estrutura de quem adora planar livremente
Nas longas e fortes asas de um condor
Que observa em caleidoscópio
Cada um dos quadrados pululados de erva
Tão comuns nas ilhas açorianas
Mas a terra, a tua terra onde vieste ao mundo,
Esteve presente sempre em ti
Naquela vida austera, de monge, que levavas
E nos silêncios a que te vetaste
No último terço da tua vida
E tinhas tanto para dizer
Para escrever
Como esse teu “Vértice de Água”
Mas, de repente,
Silenciaste-te
Uma vez mais
Para acabares por fazer viver
As coisas bonitas da vida!
Paz a essa alma tão iluminada
Prolixa e profunda
E é pois, também por ti,
Que consagro a minha vida à escrita
Sempre rodeado de livros
E de imensas palavras que estalam na minha cabeça
E como tu
A ocupar o meu canto anonimamente
Para tentar fazer
Coisas bonitas
Também!