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O Sol
Cintila vigoroso e inclemente
Para ti
Para mim
Dunas movediças que mudam permanentemente o caminho
Distância agressiva
Inolvidável
Coração duro
Voz trémula
Sorriso acintoso
Sem articular um discurso
Impropérios disparados como uma arma repetitiva
A dignidade partiu há muito do imaginário
Feres hoje
O que amanhã não terás
Abro a voz ao coração
Rechonchudo
Refletido
Circunspeto
Ergo um muro egocêntrico
Para não vislumbrar
Os livores do cadáver em putrefação!
A areia
Cerca o meu pensamento
De larvar estiagem
Em tons cinza
E foi nela
Que caminhei tantas vezes
No verão passado
Permanece lisa e arrumada
Na praia agora deserta
Já nem sequer as gaivotas
Disputam o melhor lugar
Mas o Sol vai permanecendo
Teima em não nos deixar
Para, quiçá, iluminar
Tu e eu
E não deixa olvidar a sua graça
Fitando-me com toda a sua frontalidade
Iluminando os meus olhos
Carregados de paixões assimétricas
Tu e eu
Carregamos a culpa:
Eu dei-lhe a água
Límpida e transparente
Em estado puro;
Tu deste-lhe
Areia fina como pó
Em tons avermelhados
Tempestades que te fustigaram
O frio noturno que se não esquece
O desespero de um desesperado
Perdidamente só
Na imensidão do deserto!
![franklimcostabraga_20201106_cemiterio_1000x750_02.]()
Certa noite acordei
No vácuo do silêncio
De mais uma noite angustiada
Rodeado de áspera solidão,
Que se assumia gélida e agressiva,
E vislumbrei
Refletido no espelho
Um rosto que me horrorizou!
Certo dia adormeci
Cansado de tanta em noite em branco
E vislumbrei os horrores
Que, desde aquela noite, me acompanhavam
E gizavam nas noites longas e frias
Os temores de um futuro alquebrado
A definhar
Com a mão pousada nessa viola sem cordas
Apodrecida
E mirei o meu olhar clareado
Carregado de esperança
A brilhar na alvura do meu encantamento,
Porém, surgiram as carpideiras
Que apressadamente
Começaram a esconjurar aquele rosto,
Apesar de nunca o terem vislumbrado,
Epitetando-o de sebastiânico,
De semblante marcadamente apaixonado
A invetivar o inverosímil futuro
Com a esperança a consumir-se célere nos fogos-fátuos
De uma vida exasperada;
Desde aquele dia
Tu permaneceste
Viçosa
Exultante
Plena de vida
Para mim,
O teu rosto
Deu-me
A luz de uma paixão que vivia congelada dentro de mim!
A tua humanidade tocante
Tornou-se água pura de nascente
Límpida e fresca
Como a das almas cristalinas;
Até no dia em que celebraste a tua existência
Massacraram-se
E tiveste que lutar com firmeza e galhardia
Contra os que querem contrariar a tua vontade
Impondo a sua
Revelada nos teus desejos benignos,
Querem que a estranheza
Que habita dentro de ti
Permaneça como um cadáver
Errante
E por velar
Sem lhe dar o merecido descanso
Na campa rasa
Do cemitério implantado na colina
Rodeado do silêncio
Que se respira debaixo das sábias árvores
Que protegem este segredo que é só nosso…
Chegará o dia em que todos celebrarão
O fim de uma vida penada
Cuja glória se perdeu lá atrás no tempo!