A CHUVA
Cerceando a nossa vontade
Despegando das nuvens
Que parecem coladas aos céus
Para desabar no solo ressequido
Que engole as primeiras bátegas
Com a sofreguidão de um dromedário;
Uma torrente gigantesca
Preenche aquele vazio até agora inexistente
E percorre as nossas vidas
Tanta água para quê?
Uma chusma de gotas de água
Se abate sob as nossas cabeças
Despertam-me
Espantam-me
E deixam-me perplexo
Ainda
Com a pujança da Mãe Natureza
Que faz o que quer
Não se limitando a seguir o curso que os rios querem
Que os homens querem
Ou não
Mas que caí
Como um clímax colossal
E que quando vem
Ainda atormenta
Quem dela não se prepara
E, ciclicamente,
De cada vez que uma chuva mais forte nos visita
Eis que se ergue
Em cada um de nós
A desconfiança
Dos míticos dilúvios
Deixados na Palavra escrita
Que os homens escreveram em nome da divindade
E ouvem-se as vozes ressoar
Nos dias cinzentos e sem fragor
Para se abater sobre as nossas vidas
Esse castigo imaterial
Que,
De vez em quando,
Nos fustiga
E que parece ressoar num murmúrio imenso:
- Todos os pecados serão castigados!