ESTIAGEM
O Sol
Cintila vigoroso e inclemente
Para ti
Para mim
Dunas movediças que mudam permanentemente o caminho
Distância agressiva
Inolvidável
Coração duro
Voz trémula
Sorriso acintoso
Sem articular um discurso
Impropérios disparados como uma arma repetitiva
A dignidade partiu há muito do imaginário
Feres hoje
O que amanhã não terás
Abro a voz ao coração
Rechonchudo
Refletido
Circunspeto
Ergo um muro egocêntrico
Para não vislumbrar
Os livores do cadáver em putrefação!
A areia
Cerca o meu pensamento
De larvar estiagem
Em tons cinza
E foi nela
Que caminhei tantas vezes
No verão passado
Permanece lisa e arrumada
Na praia agora deserta
Já nem sequer as gaivotas
Disputam o melhor lugar
Mas o Sol vai permanecendo
Teima em não nos deixar
Para, quiçá, iluminar
Tu e eu
E não deixa olvidar a sua graça
Fitando-me com toda a sua frontalidade
Iluminando os meus olhos
Carregados de paixões assimétricas
Tu e eu
Carregamos a culpa:
Eu dei-lhe a água
Límpida e transparente
Em estado puro;
Tu deste-lhe
Areia fina como pó
Em tons avermelhados
Tempestades que te fustigaram
O frio noturno que se não esquece
O desespero de um desesperado
Perdidamente só
Na imensidão do deserto!