Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

EPITÁFIO

em-um-pequeno-e-simples.jpg

Neblina

Que goteja na manhã madrugadora 

A agulheta escorre

Grão a grão

A fina areia   

Em busca do discernimento,

Não vejo as searas

Salpicadas de papoilas

Que crescem selvagens  

E que nunca se submetem à vontade da razão,

A música

Envolve

E envolve-me

Penetrando até ao âmago da minha alma  

Acabo a escutar o silêncio na manhã baça

De súbito,

Um pintassilgo

Passa por mim em voo oscilante

A cantarolar 

Esbarro numa aranha

A tricotar o ardil

Do que a há-de alimentar

A meus pés

Passa uma formiga laboriosa

Incansável 

Transportando às suas costas

O peso das ameaças

Que a esperam

O mar prateado

Tímido

Aos solavancos

Liberta a espuma da desilusão

De quando

Em quando

Solta um bramido

Para espantar o tédio,

O invisível farol

Nos dias de neblina

Avisa as embarcações

Da sua presença

De repente,

A surpresa entontece a esquálida areia

Esquecida nos primeiros dias de setembro

Nua e a descansar do fatigado verão

O mar encrespa-se

Vomita os excessos

Atenua as diferenças

E,

Uma vigorosa ondulação se enleia

Sob a minha recordação

De todos os homens e mulheres

Que se cruzaram comigo

Uns que me quererão sempre o bem

Outros

Assim, assim

E outros ainda

Que não me perdoam

Nem nunca me perdoarão

A minha ousadia,  

E é então

Que naquele derradeiro instante

Pulula sobre a minha cabeça

A recordação de todos os homens

Dos mais aos menos valentes  

Que pereceram no meio das vagas das suas vidas

Que me fizeram sentir frágil  

Mas esperançoso

Pois encontrarei um lugar

No meio deles

Na frieza tumular

Debaixo de uma árvore aprumada

Rodeado de palavras escritas sob pedra   

Onde escreverei aquela frase

Que pedirei emprestada

Ao poeta narrador William Butler Yeats:

Lança um olhar gélido à vida, à morte; cavaleiro, segue em frente!"

 

 

SEPARADOS

farol-e-hause-na-pequena-ilha-no-mar-baltico-arqui

Ter-te

Na noite em que as estrelas cintilantes deslumbravam  

Nesse céu infinito

Iluminado pelo azul e amarelo das auroras boreais 

Naquele bosque

Onde os nossos corpos se irmanaram

Húmidos e em salmoura,   

Atiçados

Em chama

Acetinados

E voluptuosos,

Foi monção

Para o meu corpo adormecido

Ressequido

Anestesiado

E solitário;

Recebi da pureza da tua água

Que caiu vigorosa e firme

E que foi o alimento que,

Há muito,

Me faltava

E que eu,

Sem o saber,

Tão afanosamente buscava

Acabou penetrando

Nos meus ínfimos poros.

Estivemos unidos num só abraço

A noite inteira

E tive-te

E tu tiveste-me

Com se fossemos um só

Mas eu,

Como sempre,

Acabei caminhando sozinho

Afastei-me

Convencido que,

Em cada novo amor,

Te encontrava,

Mas em vão;

Como uma andorinha nunca esquece onde nasceu

E voa, voa, voa sem parar

Até que alcança o beiral onde seus pais a criaram

Assim eu jamais me esquecerei

Das tuas sequiosas palavras

Que aqueceram as minhas entranhas

Do teu fulgor

Que incendiou a minha paixão

Até hoje

E que vagueia, levita

Desassossegado

À tua procura

Mas não vejo as árvores,

Que naquela noite

Carregada de estrelas,

Tão tranquilas nos acolheram

Não sinto o cheiro da resina

Que penetrou nas nossas narinas

Quando jubilamos em conjunto a nossa paixão

Não ouço as tuas suaves e receosas sílabas

Com que pela primeira vez me presenciaste

Naquela Fábrica de sonhos

Que nos uniu para sempre

E já não vislumbro sequer

A praia, essa praia que me descreveste,

Onde tantas vezes me procuraste em vão

Que, dizias tu,

Estava escrito nas estrelas

Que um dia as nossas almas se encontrariam

Mas,

De cada vez que me esforço por avistá-la,

Vejo mar revolto  

Que acabou derrubando as dunas

Destruiu as plantas odoríficas

Que lustram a costa 

Arrastou as nossas silhuetas

E o vento fez o resto

Separou-nos!

E o farol

Que nos dias imersos em cerradas neblinas

Tocava aflitivo  

De tempos a tempos  

Para avisar a navegação

Silenciou-se

Já nem sequer ilumina os barcos

Nem o nosso amor

Que se dispersou pelo universo. 

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub