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Artimanhas do Diabo

Artimanhas do Diabo

BEM-ME-QUER…MALMEQUER!

 

Os-campos-de-margaridas-atraem-a-atenção-de-todo

 

A luz que me surpreende

Ao eclodir de um novo dia

Com a esperança a derrubar

O  meu inquieto pessimismo

Não é a mesma

Que a que de tarde me enleva o olhar   

A contemplar o horizonte que se ergue à minha frente

Pisando esse chão duro da escarpa onde me sento

A alvitrar o futuro

Que me reserva uma tarde a refletir 

E não é a mesma que,

Titubeante,

Se despede do crepúsculo

Com a promessa de regressar no dia seguinte. 

Uma nuvem se aproxima

Vagarosa e tímida  

E acaba por se interpor

Entre mim e o sol

Num aceno saúdo-a

E ela

Sem que eu me atreva a dizer o que quer que seja  

Acaba por me responder

Naquela voz maviosa

Como se estivesse grávida de um desejo

Como só as divindades sabem articular

Naquela doçura omnisciente

Que agarra

Absoluta e definitivamente

A nossa alma.

Um clarão escuro

Desloca-se a uma velocidade estonteante

Compacto e ruidoso

E eis que

Já perto distingo

Milhões de minúsculos insetos

Que voam inflamados e de pose bélica

No seu interior

A nuvem acaba por penetrar no âmago da minha razão

Sobrepondo-se aos afetos

Que me impregnam um entusiasmo recente

E é com aquele ruído de fundo

e disposto a seguir em frente

Que olhando de soslaio

Para uma borboleta que voa num círculo definido

E com suave magnitude

Que acaba por me extasiar   

E é então que me pergunto:

- Porque é que, em vez dos gafanhotos, não me visita uma nuvem de borboletas?

Afago as flores brancas

Bravias

Que crescem livres no campo aberto

Mergulho naquele mar odorífico

E deixo-me envolver pelo suave ronronar

De três lindos gatinhos  

Que se refugiam de um sol inclemente de verão

Descansando o seu ágil corpo

Na tranquila quietude de um leito de margaridas

Que compactas e bem juntinhas

Fazem uma só

E é neste quatro idílico 

Que acabo comovendo a minha justeza 

Do olhar mais sério

Que não se deixa penetrar

Pelas razões das conveniências

E que só conhece a linguagem

Pura do Amor;

E uma lufada de vento

que sopra pausado    

Esguio e incandescente 

Passa por cima da minha cabeça

E lá no alto leio o Mantra:

- Bem-me-quer…malmequer!

O BOSQUE

Bosque.jpg

O bosque encantado

Fascina-me

Sempre,  

Dele emana aquela luzinha

Que ilumina os corações das almas ilusionadas

Que competem entre si

Pelas lindas histórias orais

Narradas de geração em geração  

Preenchendo o imaginário

Do adulto que vive fascinado

Com a criança dentro de si.

Amoras

Tisnadas  

Protegidas de mãos descuidadas 

Pelos espinhos que guarnecem os ramos

As suas grainhas que acabam se escondendo   

Nos intervalos dos dentes

A polpa que sacia

Essa sede de mistérios

Figos bravios

Eróticos e insubmissos

Castanheiros que se erguem  

Para além da polpa de todas as árvores 

Framboesas que se colhem com enlevo

Para confecionar a fresca e doce compota

Palavras melosas que me chegam ao ouvido

De Nemetona

Bruxas infatigáveis

A deambular pelo ar 

Palavras que enxerto ao longe

Fixas no horizonte

Como se fosse o quadro da escola

Onde apreendi a ler

E nas noites quentes de luar    

Um coro de rãs coaxa nas proximidades dos lagos

Um canavial

Que se ergue na margem do rio

Como se fosse muralha medieval 

Patos

Galinhas d’água

Garças

Ocultos dos inimigos da noite

E, de repente,

Uma velha coruja

Solta um pio

Que me arrepia

Uma astuta e veloz raposa

Caminha infatigável  

Cheirando tudo à sua volta   

E quando a manhã irrompe pelo bosque

Nébulas que me congregam a esperança

O cheiro a erva fresca   

Invade a minha mucosa nasal

Até que me chega essa saudade

Dos tempos em que percorria

Sem exaltação

Mas com total naturalidade

Esse mesmo bosque

Que

Parece já não ter o encanto de outrora!

E já não te vejo

Como antes te via

Minha velha companheira

Solidão

A percorrer os interstícios

Do meu pensamento

Tornaste-te

Agora

O meu pensamento

Que vive solitário

Aprisionado por vetustas recordações

De quando

Me envolvia nas caçadas às crias

Depositadas no interior dos ninhos

Suspensos nas árvores

De quando

Se planeavam assaltos

Às melhores árvores das redondezas

Carregadas de frutos

De quando

Esporadicamente

Dávamos de frente com o velho criado mudo

E fugíamos aterrorizados

Porque temíamos o seu caráter

Que, dizíamos:

Ser mau como as cobras!

Inverto o meu olhar

Miro para a frente

Para o futuro

E já não avisto o velho bosque

Mas sim máquinas

A sulcar sem contemplações

A devastar aqueles solos tão pobres

Que só a cobiça os impede de ver mais além:

- Deixem-nos como estavam antes…

Gritos em desespero  

Que me chegam de quem não ouve

Não vê

Não sente

O futuro

E então

Não consigo esconder a minha emoção

E acabo repetindo a mesma frase:

- Deixem o velho bosque como estava

Dos tempos áureos da minha infância!

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