![Os-campos-de-margaridas-atraem-a-atenção-de-todo]()
A luz que me surpreende
Ao eclodir de um novo dia
Com a esperança a derrubar
O meu inquieto pessimismo
Não é a mesma
Que a que de tarde me enleva o olhar
A contemplar o horizonte que se ergue à minha frente
Pisando esse chão duro da escarpa onde me sento
A alvitrar o futuro
Que me reserva uma tarde a refletir
E não é a mesma que,
Titubeante,
Se despede do crepúsculo
Com a promessa de regressar no dia seguinte.
Uma nuvem se aproxima
Vagarosa e tímida
E acaba por se interpor
Entre mim e o sol
Num aceno saúdo-a
E ela
Sem que eu me atreva a dizer o que quer que seja
Acaba por me responder
Naquela voz maviosa
Como se estivesse grávida de um desejo
Como só as divindades sabem articular
Naquela doçura omnisciente
Que agarra
Absoluta e definitivamente
A nossa alma.
Um clarão escuro
Desloca-se a uma velocidade estonteante
Compacto e ruidoso
E eis que
Já perto distingo
Milhões de minúsculos insetos
Que voam inflamados e de pose bélica
No seu interior
A nuvem acaba por penetrar no âmago da minha razão
Sobrepondo-se aos afetos
Que me impregnam um entusiasmo recente
E é com aquele ruído de fundo
e disposto a seguir em frente
Que olhando de soslaio
Para uma borboleta que voa num círculo definido
E com suave magnitude
Que acaba por me extasiar
E é então que me pergunto:
- Porque é que, em vez dos gafanhotos, não me visita uma nuvem de borboletas?
Afago as flores brancas
Bravias
Que crescem livres no campo aberto
Mergulho naquele mar odorífico
E deixo-me envolver pelo suave ronronar
De três lindos gatinhos
Que se refugiam de um sol inclemente de verão
Descansando o seu ágil corpo
Na tranquila quietude de um leito de margaridas
Que compactas e bem juntinhas
Fazem uma só
E é neste quatro idílico
Que acabo comovendo a minha justeza
Do olhar mais sério
Que não se deixa penetrar
Pelas razões das conveniências
E que só conhece a linguagem
Pura do Amor;
E uma lufada de vento
que sopra pausado
Esguio e incandescente
Passa por cima da minha cabeça
E lá no alto leio o Mantra:
- Bem-me-quer…malmequer!
![Bosque.jpg]()
O bosque encantado
Fascina-me
Sempre,
Dele emana aquela luzinha
Que ilumina os corações das almas ilusionadas
Que competem entre si
Pelas lindas histórias orais
Narradas de geração em geração
Preenchendo o imaginário
Do adulto que vive fascinado
Com a criança dentro de si.
Amoras
Tisnadas
Protegidas de mãos descuidadas
Pelos espinhos que guarnecem os ramos
As suas grainhas que acabam se escondendo
Nos intervalos dos dentes
A polpa que sacia
Essa sede de mistérios
Figos bravios
Eróticos e insubmissos
Castanheiros que se erguem
Para além da polpa de todas as árvores
Framboesas que se colhem com enlevo
Para confecionar a fresca e doce compota
Palavras melosas que me chegam ao ouvido
De Nemetona
Bruxas infatigáveis
A deambular pelo ar
Palavras que enxerto ao longe
Fixas no horizonte
Como se fosse o quadro da escola
Onde apreendi a ler
E nas noites quentes de luar
Um coro de rãs coaxa nas proximidades dos lagos
Um canavial
Que se ergue na margem do rio
Como se fosse muralha medieval
Patos
Galinhas d’água
Garças
Ocultos dos inimigos da noite
E, de repente,
Uma velha coruja
Solta um pio
Que me arrepia
Uma astuta e veloz raposa
Caminha infatigável
Cheirando tudo à sua volta
E quando a manhã irrompe pelo bosque
Nébulas que me congregam a esperança
O cheiro a erva fresca
Invade a minha mucosa nasal
Até que me chega essa saudade
Dos tempos em que percorria
Sem exaltação
Mas com total naturalidade
Esse mesmo bosque
Que
Parece já não ter o encanto de outrora!
E já não te vejo
Como antes te via
Minha velha companheira
Solidão
A percorrer os interstícios
Do meu pensamento
Tornaste-te
Agora
O meu pensamento
Que vive solitário
Aprisionado por vetustas recordações
De quando
Me envolvia nas caçadas às crias
Depositadas no interior dos ninhos
Suspensos nas árvores
De quando
Se planeavam assaltos
Às melhores árvores das redondezas
Carregadas de frutos
De quando
Esporadicamente
Dávamos de frente com o velho criado mudo
E fugíamos aterrorizados
Porque temíamos o seu caráter
Que, dizíamos:
Ser mau como as cobras!
Inverto o meu olhar
Miro para a frente
Para o futuro
E já não avisto o velho bosque
Mas sim máquinas
A sulcar sem contemplações
A devastar aqueles solos tão pobres
Que só a cobiça os impede de ver mais além:
- Deixem-nos como estavam antes…
Gritos em desespero
Que me chegam de quem não ouve
Não vê
Não sente
O futuro
E então
Não consigo esconder a minha emoção
E acabo repetindo a mesma frase:
- Deixem o velho bosque como estava
Dos tempos áureos da minha infância!