INSANA PEREGRINAÇÃO
Pintura Navio dos Loucos de Hieronymus Bosch
Glória aos infernos
Onde todos descemos
Pelo menos
Uma vez na vida
E uma vez desembarcados
A tão inusitado mundo
Pressentem-se
Desde logo
Os horrores
Que saltam
Que medram
Em cada uma das bolhas carregadas de loucura
Que está para além do entendimento
Escarnecer permanente
Zombar de tudo
Exultar o choro
A raiva
Até que a insensibilidade se instala
E ali já nada nos espanta
Quem fica indiferente a este mundo?
Quem ali chega
Não gosta do que vê
Naquele caos incendiário
Mas, com o tempo,
Acaba por se habituar
A tamanha jactância perpetrada pelo mal!
E todos ali vão
Pelo menos uma vez na vida
Derrotados
Derreados
Revoltados;
Quem regressa parece rejuvenescido
Ali
Nas terras de Belzebu
Os salmões não sobem o rio
As aves não sabem voar
Os canídeos caminham em duas patas apenas
Os grilos piam até que a voz lhe doa
As cigarras são tão aveludadas que apetece pegar-lhes
O trigo jamais medrará
O mar é tão doce que a água se emulsiona e não se fixa ao corpo
As rãs voam em balões de ar aquecido
Nos castelos moram borboletas coloridas
Nas casas dormem tranquilos veados corredores
Nas montanhas caminham assolapados os amantes
As árvores embrulham-se umas nas outras
O sol explodiu há muitos anos atrás
A lua omnipresente
Alinha-se sempre pela noite
Que ali é intemporal
Os homens e as mulheres alinham-se
No enfiamento de incendiários
Que estão sempre a avivar o fogo eterno
E a proferir vitupérios
E no meio de uma berraria infernal
Elevam-se irritantes morcegos
Que lançam-se aterradores sobre a multidão
Que sabe que dali não escapa,
E quem ali fica mais tempo
Ao longo de uma permanência acentuada
Fica sem saber quem é
E parece já não saber sair dali
E mesmo que o saiba
Parece não querer sair!
O inferno não se fez para os outros
Fez-se para todos os que ali caem:
Os que desistiram de lutar
Os insidiosos
Os que não conhecem outra vida;
Mas quem não se reconhece
Naquele mundo
Foge como o vento
Apaga-se como o veneno
Desliza ansioso como fina areia pelos dedos
Acaba se esgueirando
O destino de quem ali cai
É querer sair
Mas nem todos o conseguem
Permanecendo
Eternos
Insanos
À espera que a fogueira
Se apague