O BOSQUE
O bosque encantado
Fascina-me
Sempre,
Dele emana aquela luzinha
Que ilumina os corações das almas ilusionadas
Que competem entre si
Pelas lindas histórias orais
Narradas de geração em geração
Preenchendo o imaginário
Do adulto que vive fascinado
Com a criança dentro de si.
Amoras
Tisnadas
Protegidas de mãos descuidadas
Pelos espinhos que guarnecem os ramos
As suas grainhas que acabam se escondendo
Nos intervalos dos dentes
A polpa que sacia
Essa sede de mistérios
Figos bravios
Eróticos e insubmissos
Castanheiros que se erguem
Para além da polpa de todas as árvores
Framboesas que se colhem com enlevo
Para confecionar a fresca e doce compota
Palavras melosas que me chegam ao ouvido
De Nemetona
Bruxas infatigáveis
A deambular pelo ar
Palavras que enxerto ao longe
Fixas no horizonte
Como se fosse o quadro da escola
Onde apreendi a ler
E nas noites quentes de luar
Um coro de rãs coaxa nas proximidades dos lagos
Um canavial
Que se ergue na margem do rio
Como se fosse muralha medieval
Patos
Galinhas d’água
Garças
Ocultos dos inimigos da noite
E, de repente,
Uma velha coruja
Solta um pio
Que me arrepia
Uma astuta e veloz raposa
Caminha infatigável
Cheirando tudo à sua volta
E quando a manhã irrompe pelo bosque
Nébulas que me congregam a esperança
O cheiro a erva fresca
Invade a minha mucosa nasal
Até que me chega essa saudade
Dos tempos em que percorria
Sem exaltação
Mas com total naturalidade
Esse mesmo bosque
Que
Parece já não ter o encanto de outrora!
E já não te vejo
Como antes te via
Minha velha companheira
Solidão
A percorrer os interstícios
Do meu pensamento
Tornaste-te
Agora
O meu pensamento
Que vive solitário
Aprisionado por vetustas recordações
De quando
Me envolvia nas caçadas às crias
Depositadas no interior dos ninhos
Suspensos nas árvores
De quando
Se planeavam assaltos
Às melhores árvores das redondezas
Carregadas de frutos
De quando
Esporadicamente
Dávamos de frente com o velho criado mudo
E fugíamos aterrorizados
Porque temíamos o seu caráter
Que, dizíamos:
Ser mau como as cobras!
Inverto o meu olhar
Miro para a frente
Para o futuro
E já não avisto o velho bosque
Mas sim máquinas
A sulcar sem contemplações
A devastar aqueles solos tão pobres
Que só a cobiça os impede de ver mais além:
- Deixem-nos como estavam antes…
Gritos em desespero
Que me chegam de quem não ouve
Não vê
Não sente
O futuro
E então
Não consigo esconder a minha emoção
E acabo repetindo a mesma frase:
- Deixem o velho bosque como estava
Dos tempos áureos da minha infância!