EPITÁFIO
Neblina
Que goteja na manhã madrugadora
A agulheta escorre
Grão a grão
A fina areia
Em busca do discernimento,
Não vejo as searas
Salpicadas de papoilas
Que crescem selvagens
E que nunca se submetem à vontade da razão,
A música
Envolve
E envolve-me
Penetrando até ao âmago da minha alma
Acabo a escutar o silêncio na manhã baça
De súbito,
Um pintassilgo
Passa por mim em voo oscilante
A cantarolar
Esbarro numa aranha
A tricotar o ardil
Do que a há-de alimentar
A meus pés
Passa uma formiga laboriosa
Incansável
Transportando às suas costas
O peso das ameaças
Que a esperam
O mar prateado
Tímido
Aos solavancos
Liberta a espuma da desilusão
De quando
Em quando
Solta um bramido
Para espantar o tédio,
O invisível farol
Nos dias de neblina
Avisa as embarcações
Da sua presença
De repente,
A surpresa entontece a esquálida areia
Esquecida nos primeiros dias de setembro
Nua e a descansar do fatigado verão
O mar encrespa-se
Vomita os excessos
Atenua as diferenças
E,
Uma vigorosa ondulação se enleia
Sob a minha recordação
De todos os homens e mulheres
Que se cruzaram comigo
Uns que me quererão sempre o bem
Outros
Assim, assim
E outros ainda
Que não me perdoam
Nem nunca me perdoarão
A minha ousadia,
E é então
Que naquele derradeiro instante
Pulula sobre a minha cabeça
A recordação de todos os homens
Dos mais aos menos valentes
Que pereceram no meio das vagas das suas vidas
Que me fizeram sentir frágil
Mas esperançoso
Pois encontrarei um lugar
No meio deles
Na frieza tumular
Debaixo de uma árvore aprumada
Rodeado de palavras escritas sob pedra
Onde escreverei aquela frase
Que pedirei emprestada
Ao poeta narrador William Butler Yeats:
“Lança um olhar gélido à vida, à morte; cavaleiro, segue em frente!"