![transferir.jpg]()
E vós
Senhor
Que me podereis dizer
Sem que eu não saiba já
Dessa vossa assaz amargura?
Plantarei
Mil castanheiros
Senhor
Iguais ao que nos acolheu
Naquele dia de sol tão radioso
Em que vos declarastes
Debaixo de sua imperial sombra
Que nos ajudou a revigorar o amor
Em manhã tão quente como esplendorosa
Fazendo-nos refletir
Sob tão tutelar sabedoria;
E foi ali
Senhor
Que vós exibistes
O coração
Que medra
Nesse vosso peito
E que não me saí da cabeça!
Ainda hoje
Lastimo
A vossa partida para a guerra
E não vos poder
Ter aqui comigo
Mas ó senhor
Meu bem
Que importa viver
Se não vos tenho por perto
Para assinalar
O que diz este louco coração
Que já decidiu:
Se finardes
Nessa guerra
Tão inglória como absurda
Acabarei
Senhor
Por perecer aos poucos
Aguardando
Apenas
Que o altíssimo
Me leve deste mundo
Tão inglório como injusto;
O vento
Aquele vento suave e delicado
Que me ajudava a conter saudades tuas
Já não me visita
Fustiga as rochas do meu descontentamento
A chuva já não rega a flor
Plantada no meu peito
O sol raiado de vermelho
Parece conter um grito de revolta
E de cada vez que avisto um castanheiro
Um clamor soa no meu interior
Pois já ali não estais
Senhor
Para me ajudar a escolher os ouriços carregados de castanhas
E desespero
Abomino a minha sorte
E já não sei
Se quando vos conheci
Se me alegram mais os dias
Ou se me amargam as horas
Por não vos poder ver?
Partiste
Montado nesse cavalo alado
E passais agora a voar na minha imaginação
E de cada vez que vos tento alcançar
Fugis
Senhor
Subtil e maliciosamente
Como se estivésseis
À espera
Que eu não pudesses viver mais
E partisse
Para sempre
Nas asas de um anjo!
![Jan the Elder Brueghel - The Garden of Eden in the]()
Tela Jardim de Éden de Jan Bruegel.
Essa gota de água do mar
Que eu conservo
Com tanto enlevo
Na palma da minha mão
Já não se encrespa
Já não ameaça
Já nem sequer se escapule
Pereceu
Lá atrás
No passado;
Mas
Esse passado
Ainda me persegue no presente
E continuará a perseguir no futuro
Nada nem ninguém poderá tirar-mo!
Naquele dia
Em que simplesmente ignoraste
Os meus chamamentos
Ou pelo menos não respondeste
Aos meus apelos
Feitos de viva voz e reiteradamente
Acabei subterrado na areia
De forma tão inconsistente
Como absurda
Para não mais de lá sair.
Eu podia ser a areia
E tu podias ser o mar
Eu podia ser o vento
E tu podias ser o sol
Podíamos ser o que nós quiséssemos
Podíamos ser dois amantes
Montados num cavalo alado
Ou a caminhar
Pachorrentos
Num dos recantos do jardim do Éden
Ao lado de uma multidão de seres
Tão distintos e tão diferentes
Regando as plantas
Que exalam finos odores
Que crescem naquele jardim
Mas acabamos longe
Amargurados
Cada qual no seu canto
A suspirar
Com pena de si próprios
A sarar as saudades
No sal depositado nas feridas
Tentados
A seduzir
Novamente a paixão
Carregada de luz própria
Que derruba os impossíveis
E une todas as vontades;
Mas fomos incapazes de regressar ao jardim
Onde tu e eu fomos tão felizes
Onde as palavras eram o nosso sustento
Os nossos desejos vontades
Ao todo que dissemos um ao outro
Ao muito que deixamos por dizer
Mas falamos tanto
Ensandecemos até
Desejamos tanto
Procuramos loucamente
A verdade que nos perseguia
Oculta
Ou às claras
Chegamos até a fazer amor
Nos locais mais improváveis
À luz do dia
Debaixo dos olhares das pessoas que passavam apressadas
E que de tão inusitado
Não entendiam a loucura que tomara conta de nós!
Naquele recanto do jardim
Tão secreto como improvável
Apropriei-me dos teus finos lábios
Sorvi essa tua boca húmida
Carregada de desejo
Tão ávida da minha
Mas foi por pouco
Separamo-nos
E ficamos a suspirar
Pelo mar
Pela areia
Pelas noites quentes de verão
A olhar extasiados as linhas da mão
A surfar nas ondas da paixão
Que esse mar calmo
Tanto nos quis dizer
E nós não o soubemos interpretar!
Hoje…
Ficou apenas o mar e a areia
E por isso digo para comigo
Tu és o mar
Eu sou a areia
E todos os dias nos envolvemos
Nesse leito silencioso da paixão!
![Curiosidades-da-Libélula.jpg]()
Sorrio
Num dia de luz resplandecente
Deambulo
Voo
Como uma libélula:
Abrandando
Acelerando,
Quase tocando
No infindo arvoredo
Que se ergue à sua frente
Que parece a velha muralha fortificada
Em busca de uma áurea
De felicidade
De prosperidade
De coragem
E eu
Ali no meio
Não me deixei tolher
Nem acovardar
Pelos ditames…
Rodeei o que de mau
Se me deparava
No cimo da estrada
Entretive-me a observar o declive do terreno
Entrecortado
Pela imagem da feliz libélula
Que me saudou uma e outra vez
E quando esvoaçou
E ficou mais íntima
Tive a sensação de estar a ver um daqueles aparelhos
Que já fazem parte da história da aviação:
Umas asas gigantes
Um corpo
Longo
E delgado
Que parece frágil
Mas faz das fraquezas forças
Voando
Esvoaçando
Projetando-se no ar com aquele enorme olho
Que lhe dá o nome de tira-olhos!
Mas hoje
Esta libélula
Não sei porquê
Deixou-me em choque
Trouxe-me
Deslizando como um delgado fio de areia
A solidão desesperada;
Deambulei
E deparei-me
Gravado nas várias lápides
Com as últimas palavras
Dos que se finaram neste mundo
E foi então que me apercebi
Que a libélula
Se recusou a entrar
No cemitério
Tórrido
De pedra
Sem sombras nem descanso;
E quando calcorreava o terreno enfileirado
Por sepulturas
Chamando
Repetidamente
Pelo teu nome
Mesmo sibilando
Nessa tua letra inicial
Não me respondente
E foi então que me apercebi
Que Já não estás ali
Nem aqui
Já não estás em parte nenhuma
E já nem a libélula
Te quer próxima
Ela que tem o dom da felicidade!
Vives
Agora
No pó que se ergue
Soprado pelos ventos
Aborrecido
Entediado
Entrementes
Deslocando-te
De árvore em árvore
De folha em folha
Fixando-te unicamente no verde
Que se escancara à tua frente
Que incendeia esse teu olhar,
E não quer
A libélula
Viver assim
Voando simplesmente
Mas sim refugiar-se
Numa tranquila sombra dos dias mais quentes
Para amenizar a paixão
Que te serpenteia
Como a libélula!
![stock-photo-future.png]()
O que trago comigo
Bem fundo
Comigo morrerá
Sem se revelar
A minha espessura
Indelével
E renitente
Por vezes,
Desmesuradamente opinitiva,
Sobre o que os outros padecem
Mas de mim?
De mim mesmo?
Portas trancadas
Um leve sinal de fumo negro
Augúrios
Que se silenciam
Densos
Metafísicos
Que acabam passando para uma página em branco
Que, depressa, se contagia com as palavras
Que saem à velocidade dos pensamentos
Deste que,
Vive,
Apoderando-se dos sentimentos alheios;
Um dia de cada vez
Não são dias
É uma rotina pérfida
Alicerces para uma vida suspensa
Presa a um impasse
A uma resposta
Por algo que tarda a chegar
Que não se apaga ao toque apenas
Mas que faz dos relatos
A sua própria definição;
Amo demasiado as pessoas
Para as deixar padecer em solitário
E por isso tento dar voz,
Como um presságio,
Ao que elas com tanto afinco me procuram dizer…
Campos de cereais espigados
Que balançam ao leve rumor de um vento tímido
Que me deixam extasiados
E gozo o forte odor a terra
Que me persegue
Mesmo quando já ali não estou
Rosas carmesins
Ajudam-me a florescer o desejo que tanto há em mim
Trutas e achigãs
Vorazes, silenciosos e mortíferos
Porém, acabo saboreando o mar
Sorvendo o interior de uma ostra esquartejada
E os sentidos não se apagam jamais
Flauteio vigoroso no Verão pelos bardos engalanados das videiras
Erguidas a pulso por homens colossais
Que se colam às serranias mais íngremes
Suportados por rochas
E é nos cumes mais altos
Que recebo o vento
Esse mesmo vento
Que tantas vezes acompanhou Torga
Nas suas elucubrações
Tocando-me com vigor no rosto
E é aí que sinto que descubro a paisagem da meseta ibérica
Nesses Campos de Castilla
Onde o sevilhano António Machado
Versejou sobre Sória
Essa mesma terra
Onde há muitos séculos atrás
Nasceu esse mítico Poema de Meo Cid!
Mas serei eu mesmo a sentir isso?
Ou, mais uma vez,
Vesti as vestes de alguém
Saudoso e circunspecto
Que não quer revelar o passado?
![woman-1509956_960_720.jpg]()
Ao caminhar na planície da vida
Deitando meigos olhares
Sob fina erva que se agita aos humores do cansaço
Agitando-me no embalo da voz doce do vento
Vi uma especial e reluzente margarida…
Os meus olhos aglutinaram-se
A irradiar luz
Como o de uma estrela presa ao firmamento
O meu coração incendiou-se
A minha respiração ofegante tropeçou
E então decretei:
- Um suspiro do tamanho do mundo!
Tê-la
Ao meu lado,
Mesmo que fugazmente,
Mas até nisso o amor é subversivo
Circunflexo
Amplo
E virginal
A essa bela margarida
Que viçosa se ergue na natureza,
Naquela primeira vez
Tão tórrida como intensa
Em que o suor não me dava tréguas
Gotejando sobre o seu corpo de menina,
Salgado
E viçoso,
Que se auto impôs
Adormecer
Na banalização dos dias
Como doente terminal
Com a esperança esvaída
A observar inerte
A areia escorrendo em catadupa
Pelos dedos da mão,
Foi dádiva divina
A que não poderia ficar indiferente
Num choque de dimensões cósmicas
Em que o Amor é pródigo!
A sua carne
Tenra, harmoniosa e envolvente
Não me deu descanso
As suas mãos
Pareciam ramos de folhas
Frescas, odoríficas e lenitivas
A envolver-me
Sem me dar descanso,
Os seus lábios
Pousando uma e outra vez nos meus
A filar todos os contornos
Redesenhando as formas
Para serem como os seus
Os seios
Não me deram descanso
Fixando em mim
Um saudoso desejo de os sorver
Os nossos corpos
Compenetradíssimos
Como se o mundo se suspendesse
Naquele instante
Do que eu e ela fizéssemos
Para não dar azo a instantes mortos
Toldando-nos a razão
Amenizando aquela sensação de vazio
Em que ambos nos encontrávamos…
E complementei-me nela
Cessando a solidão
Cuidando da terra onde vivifica
A minha bela margarida
Com todas as suas pétalas eretas
Onde me senti tão aconchegado!
Quero regar as suas raízes
Ressequidas
Para que jamais sintam
Esses dias sórdidos
Que foram queimando a sua esperança
À espera
De uma pitada de afeto
Pois a ausência matou-lhe a esperança
E acabou encerrada numa concha
Decretando o fim do sonho…
Por fim
Voltaste
Minha formosa margarida
A sonhar
A entregar-te
Apaixonada
Aos ditames românticos de um homem
Que te quer
Como a sua própria vida!
Enquanto te aguardava
Passei humedecido
Os olhos
Por uma verdejante seara de milho
Que ali perto parecia saudar-me
Ao de leve
Naquele ondular afirmativo de um vento quente
Com que os deuses abrilhantam as nossas emoções
E naquele passo harmonioso
Parecia querer assinalar-me
Como empolgante e inesquecível
Seria esse dia
Como monção
Que se agigante e alcança a planície
Dando-lhe a vida tão desejada.
Abri as extremidades
Da empedernida casca da ostra
E, nesse instante,
Explanei-lhe ao ouvido o meu assombro
E acabei sorvendo a sua madrepérola
Que me deixou os lábios a arder!
E naquela serra
Onde parecias gazela a correr na pradaria
Transbordante de regozijo
Em busca da fonte mais fresca e pura
Para retemperar o cansaço
Começaste ténue a roçar-te
Nas minhas coxas
Embalando a minha cintura
Acariciando as minhas nádegas
Beijando-me profunda e ininterruptamente
Até que
Por fim
E já perto da despedida
Me demandastes:
-Querido…é já ali…já ali…que nos voltamos a encontrar?
![farol-e-hause-na-pequena-ilha-no-mar-baltico-arqui]()
Ter-te
Na noite em que as estrelas cintilantes deslumbravam
Nesse céu infinito
Iluminado pelo azul e amarelo das auroras boreais
Naquele bosque
Onde os nossos corpos se irmanaram
Húmidos e em salmoura,
Atiçados
Em chama
Acetinados
E voluptuosos,
Foi monção
Para o meu corpo adormecido
Ressequido
Anestesiado
E solitário;
Recebi da pureza da tua água
Que caiu vigorosa e firme
E que foi o alimento que,
Há muito,
Me faltava
E que eu,
Sem o saber,
Tão afanosamente buscava
Acabou penetrando
Nos meus ínfimos poros.
Estivemos unidos num só abraço
A noite inteira
E tive-te
E tu tiveste-me
Com se fossemos um só
Mas eu,
Como sempre,
Acabei caminhando sozinho
Afastei-me
Convencido que,
Em cada novo amor,
Te encontrava,
Mas em vão;
Como uma andorinha nunca esquece onde nasceu
E voa, voa, voa sem parar
Até que alcança o beiral onde seus pais a criaram
Assim eu jamais me esquecerei
Das tuas sequiosas palavras
Que aqueceram as minhas entranhas
Do teu fulgor
Que incendiou a minha paixão
Até hoje
E que vagueia, levita
Desassossegado
À tua procura
Mas não vejo as árvores,
Que naquela noite
Carregada de estrelas,
Tão tranquilas nos acolheram
Não sinto o cheiro da resina
Que penetrou nas nossas narinas
Quando jubilamos em conjunto a nossa paixão
Não ouço as tuas suaves e receosas sílabas
Com que pela primeira vez me presenciaste
Naquela Fábrica de sonhos
Que nos uniu para sempre
E já não vislumbro sequer
A praia, essa praia que me descreveste,
Onde tantas vezes me procuraste em vão
Que, dizias tu,
Estava escrito nas estrelas
Que um dia as nossas almas se encontrariam
Mas,
De cada vez que me esforço por avistá-la,
Vejo mar revolto
Que acabou derrubando as dunas
Destruiu as plantas odoríficas
Que lustram a costa
Arrastou as nossas silhuetas
E o vento fez o resto
Separou-nos!
E o farol
Que nos dias imersos em cerradas neblinas
Tocava aflitivo
De tempos a tempos
Para avisar a navegação
Silenciou-se
Já nem sequer ilumina os barcos
Nem o nosso amor
Que se dispersou pelo universo.
![Ameixa.jpg]()
I
Desapegou-se
Uma ameixa
Temerária
Precipitando-se
Do alto da árvore que lhe deu ser
Até ao solo
Rolando
Para iniciar uma expedição
Entusiasmada e resplandecente!
Com o decurso da viagem
Foi perdendo fulgor
E passou a mover-se
Como um minúsculo deão
De um venerando mosteiro medieval;
E, nesse entretanto,
Roçou ténue
No corpo de uma mulher,
De corpo assimétrico
Em chama
Que jazia amaneirado
No meio da relva
Debaixo de um sol abrasador de verão,
Até que se imobilizou;
Ao toque
A mulher
Assustou-se
Arrefeceu
A colisão fez-lhe diluir o desejo
Mas logo se recompôs
E voltou esfuziante
Aos tórridos pensamentos
Mas acabou por colher a ameixa,
Que jazia imóvel a seu lado,
Depois de percorrer caminhos
Nunca antes experimentados
Debaixo de uma áurea de mistério,
E tateou o fruto
Subtilmente
Pelo seu corpo,
Rendido
Às gotículas
Saídas de uma pequena fenda
Aberta pelo impacto da queda,
Sugando a seiva
Depositada no seu indicador
Que acabou levando aos lábios
Em deleite
Épico
Sentindo-lhe a frescura
Da juventude
E a força da maturidade
De tão elegante fruto
Que se despegou intencionalmente da árvore
E que caiu com estrondo no solo
E rolou pelo terreno em declive
Impaciente para conhecer o mundo…
II
Mulher distanciada
Que abjurou
Há muito
Ao toque de estranhos:
Esse pai abusador não lhe saí do pensamento…
Vive sitiada nesse castelo sombrio
Isolada
E lastimosa
Separada dessa mãe
Que sempre morreu de inveja do marido
Que nunca quis verdadeiramente sê-lo!
Mas pela primeira vez
Aquela ameixa
Fê-la sentir deleitada
Não lhe deu descanso
E com a ameixa na mão
Palmilhou
Suave e pacientemente
As arestas mais longínquas e íntimas do seu corpo
Deixando gotículas
Escancarando a fragilidade
Não assumida
Mas inexpugnável
Da solidão endeusada
Que tantos dissabores lhe trouxe
Mas algumas vantagens,
Pois, verdadeiramente, nunca soube o que era amor fracassado
Ou não correspondido
Vivendo, antes, uma vida sem exposição;
E com a mão
Ceifou barreiras
Tabus incestuosos,
Com a ameixa na mão
Aliciou o desejo
E percorreu a cordilheira
Flácida e elástica encimada pelos pináculos
Desceu pelo delgado sendeiro por onde as gotas de suor vagueiam
Alcançou a planície
Alongada
Seca e em chamas
Onde um velho poço seco e abandonado
Que antes a ligava à terra
É agora resquício apenas
No centro daquela seara,
Mas a ameixa não se quedou na pachorrenta paisagem
Foi-se a eito
Percorrendo
Abrindo caminho
Até que
De tanto buscar
Descobriu a gruta
Pura
Recôndita
E macilenta
Velada pela água salina
Que lhe apaga a sede no interior
Nunca antes visitado
E,
Movida a canoa,
Mareou
No ramificado e escuro covil
Fruindo o que a atrevida e arrojada ameixa
Acabou por lhe proporcionar:
E fez-se-lhe uma luz…nunca antes vista!