DOURO
Em certa noite tórrida
Debaixo de um intenso luar
Cintilando milhões de estrelas no céu escuro
Debaixo de um infatigável sobreiro
Os deuses há muito
Se reuniram
E desse conclave saiu
Um plano arquitetado
Para o tálamo anunciado
Que casasse a simbiose perfeita:
A natureza
Ali tão prodigiosa
E a vontade e a concretização do sonho do Homem
Que ali parece tão excessivamente difícil,
E edificando nesses montes
A paixão de um rio pela redenção de toda uma região
Colinas apertadas
Que recebem nos seus braços
As águas verdes
Que nascem em Sória
E acabam lançadas em torrente
Como louca paixão de adolescente
Nas águas salgadas do mar junto à foz;
Este rio mítico
É o sangue que corre nas veias deste Douro
Cobre de verde
O manto de Sua Majestade
Águas prenhes e revigorantes
Que vão gizando o caminho
Serpenteando falésias
Suavizando a paisagem
Águas que não se cansam nunca
De deslizar silenciosas pelos desfiladeiros
Ora, ondulantes no sentido da foz
Ora, serpentando na direção de Espanha
Por entre penedos gigantescos
Consolidados pela terra
Ó quanta terra
Que endureceu
Teu solo seco
Escamado de lajes xistosas
Pisado pelos heróis
Que nunca viraram a cara à luta
E fizeram lindos bardos de videiras
Que ciclicamente dão à luz
Prodigiosos néctares;
As tuas fragas
Sustentam esse chão majestoso
Por onde os javalis sulcam o solo
Tão selvagens como fugidios
Medra corredia
A astuta raposa
Saltitam
Os fugidios coelhos
E onde nas alturas
Debaixo de intenso céu azul
Reinam os grifos
Que parecem vigiar as águas do rio
Que o tornaram num espaço
Pejado de construções geológicas
Tão lindas de cortar a respiração!
De súbito, vejo deslizar pelas tuas serenas águas
Uma embarcação que transporta turistas
Até às profundezas mais longínquas navegáveis do rio
Transportando sonhos concretizados e por realizar
Alguns do tamanho desses montes que acolhem as águas do rio
E é a vindimar
A lancetar os pequenos braços da vidreira
Onde pendem lindos cachos de uvas
Que acabo a lançar um olhar sereno ao distante barco
Que navega as águas desse rio…
E, não resisto,
Aceno com a mão direita
Protegida por uma luva
Uma saudação especial
Uma e outra vez
E nem um apito soa no barco
Nem uma pequena saudação
Ignorando-me olimpicamente
Me dirige o grupo de turistas
Que descansa em prazerosas cadeiras ao sol
Deixando-me de sorriso inerte e expetante
Perene de dúvidas
Se aquelas pessoas ociosas
Sabem que hercúleos esforços foram precisos
Para que pudessem apreciar
Beleza inigualável como aquela
Linda de cortar a respiração
Ou de apreciar o sabor inesgotável
Dos melados mostos
Que com a idade acabam tornando-se
A bebida dos deuses por excelência!